A tarde do primeiro dia da reunião da Coordenação Nacional da CSP-Conlutas, que aconteceu na quinta-feira (14), na sede da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), no Rio de Janeiro (RJ), foi dedicada a um debate fundamental sobre os impactos da Reforma Administrativa e das privatizações no Brasil. A mesa contou com a participação de cinco palestrantes que analisaram a destruição dos serviços públicos, a precarização das políticas sociais e o desmonte do patrimônio público.
O Sintrajud esteve representado na reunião pelos diretores Camila Oliveira, Isabella Leal e Ismael Souza e os servidores Fabiano dos Santos e Luciana Carneiro (que integram a direção da central, junto com Ismael).
O debate deixou claro que a Reforma Administrativa e as privatizações não são medidas isoladas, mas parte de uma ofensiva neoliberal coordenada, que tem como objetivo desmontar o Estado e subordinar os recursos públicos aos interesses de setores privados.
Os palestrantes enfatizaram ainda a urgência de uma mobilização ampla e independente, capaz de unificar servidores públicos, trabalhadores em geral e movimentos sociais em torno de pautas como a revogação das reformas trabalhista e previdenciária, do Arcabouço Fiscal, o arquivamento definitivo da PEC 32 e da atual reforma administrativa em debate no governo Lula e a construção de um Estado que realmente sirva aos interesses da população.
Jorge Souto Maior: Diminuição do papel do Estado para favorecer interesses privados
O jurista e professor da USP Jorge Luiz Souto Maior fez sua exposição de forma online e abordou a Reforma Administrativa sob uma perspectiva jurídica e histórica, destacando a exploração do trabalho sob o capitalismo e o impacto das reformas nos serviços públicos. Ele criticou a reforma administrativa, argumentando que seu objetivo central é reduzir o papel do Estado na prestação de serviços para beneficiar o setor privado.
“Essa reforma implica em ataques diretos aos servidores públicos. Há uma ofensiva, por exemplo, contra a estabilidade, que passaria a ser restrita a funções ditas essenciais, sem que haja clareza sobre quais seriam essas funções”, disse.
O professor mencionou também a recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que abriu espaço para a contratação de servidores pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) em detrimento do Regime Jurídico Único (RJU).
Em sua análise, o palestrante relembrou como a precarização começou na década de 1990, quando a terceirização foi consolidada, apesar de inicialmente não ter base jurídica sólida. Ele apontou para os “convênios” na saúde, a terceirização e a atuação das Organizações Sociais como formas de privatização que têm se alastrado, como parte de um processo que enfraquece os serviços públicos. Segundo ele, essas mudanças visam atender aos interesses econômicos do setor privado, que utiliza a precarização do trabalho no setor privado como justificativa para ataques aos servidores, frequentemente retratados como “privilegiados”.
Para Souto Maior, retomar a organização coletiva e a luta unificada é essencial para enfrentar os desafios e reverter os ataques aos direitos dos trabalhadores. “É preciso encampar uma resistência a partir da retomada da consciência de classe, de coletividade, unificada, para lutar pelos interesses da classe trabalhadora, que mesmo que apareçam ser atomizados e corporativos, mas estão interligados”, concluiu.
Viviane Pires: Um projeto alinhado às ordens do FMI e do Banco Mundial
Viviane Pires, assistente social do INSS no Paraná e diretora da Fenasps, também falou online, via a plataforma Zoom, e destacou o ataque sistemático aos direitos dos servidores públicos, às políticas sociais e à classe trabalhadora em geral, resultado de um projeto neoliberal em curso desde os anos 1990. Ela apontou que as reformas não buscam melhorar os serviços públicos, mas desmantelar conquistas históricas e reduzir o papel do Estado em benefício do capital financeiro, em um projeto orientado por instituições como o FMI e o Banco Mundial. Ela citou o relatório “Um Ajuste Justo” (2017), do Banco Mundial, que propõe a desestruturação do serviço público e o controle sobre remunerações e benefícios.
“Muitos direitos previstos na Constituição de 1988 jamais foram implementados e os poucos consolidados vêm sendo sistematicamente destruídos por contrarreformas previdenciárias, trabalhista, administrativas, além de medidas infralegais, como portarias e ajustes no modelo de gestão pública”, disse.
No contexto do INSS, Viviane ressaltou a recente greve de mais de 100 dias da categoria, marcada por graves ataques antissindicais por parte do governo Lula. “O governo utilizou mesas setoriais para dividir a categoria, dificultando a organização e a luta coletiva. Nossa greve foi duramente reprimida. Enfrentamos cortes de ponto, criminalização e assédio, tudo isso para implementar um modelo que destrói o atendimento à população”, relatou”.
Ela defendeu que os trabalhadores precisam se organizar e lutar pela revogação do arcabouço fiscal, das reformas trabalhista e previdenciária, pelo arquivamento definitivo da PEC 32 e a reforma administrativa em debate no governo e às medidas infralegais já em curso.
Viviane concluiu: “Nossa luta vai além da defesa imediata dos direitos. Precisamos construir um movimento anticapitalista e anti-imperialista”.
Luiz Sergio Ribeiro: O desmonte do serviço público como resposta à crise capitalista
Presente no plenário da ABI, Luiz Sérgio Ribeiro, técnico-administrativo no Colégio D.Pedro II, dirigente do Sindiscope e do Sinasefe, traçou um histórico dos ataques aos serviços públicos ao longo das últimas décadas, destacando que nenhum governo poupou o setor.
Mencionando o termo “granada no bolso do servidor”, expressão utilizada pelo ex-ministro bolsonarista Paulo Guedes, Ribeiro resumiu as políticas de desmonte, desde as reformas de FHC, passando pelas reformas previdenciárias de Lula e Dilma, até os ataques recentes de Temer e Bolsonaro.
“Desde os anos 1990, temos vivenciado reformas que precarizam carreiras, reduzem salários e promovem uma desvalorização contínua dos servidores públicos”, afirmou.
O dirigente criticou a continuidade desse projeto no governo atual, apontando para medidas como a reforma administrativa “fatiada”, a Portaria 5.125, que desestrutura carreiras, e o Programa de Gestão de Demandas (PGD), que impõe teletrabalho sem estrutura adequada. Segundo Ribeiro, esses movimentos buscam precarizar o serviço público, reduzir salários e equiparar as condições ao setor privado.
Luiz ressaltou que a precarização é parte de uma resposta estrutural do capitalismo à sua crise. “Não estamos lidando com medidas pontuais, mas com um projeto global de desmonte, que busca enfraquecer o serviço público como parte da reestruturação neoliberal”, disse.
Alertando para o risco da destruição do serviço público em meio à crise do capitalismo, Ribeiro vinculou a luta em defesa do funcionalismo e dos serviços públicos a um enfrentamento mais amplo contra o sistema capitalista.
Flávia Bischain: Educação pública como alvo do capital financeiro
A professora Flávia Bischain, da Oposição Combativa da Apeoesp e coordenadora da subsede Oeste-Lapa, também presente na reunião, centrou sua exposição no avanço da mercantilização na educação pública, citando como exemplo o leilão de escolas estaduais em São Paulo. “O que estamos vendo não é mais do mesmo. Estamos vivendo um aprofundamento dos ataques neoliberais, transformando serviços públicos em ativos financeiros altamente lucrativos para setores privados”, afirmou.
Flávia denunciou o nefasto esquema. “O governo Tarcísio vai repassar R$ 11 milhões mensais a uma empresa privada por 25 anos para a construção e administração das escolas, e outros R$ 2 bilhões serão financiados pelo BNDES. “É um negócio extremamente lucrativo e sem risco. As empresas economizam ao máximo, cortam custos e quem paga o preço são os alunos e professores”, afirmou.
Ela comparou o modelo com o que já ocorre em creches municipais de São Paulo. “Hoje estamos vendo essas empresas fornecerem merenda de péssima qualidade, ofertando meia banana às crianças, e proíbem de repetir o lanche. Para o Capital, isso é o que chamam de eficiência: menos gastos, mais lucro”, disse.
Flávia destacou que o projeto não foi elaborado unicamente por Tarcísio de Freitas, mas pelo BNDES, que não apenas financia as concessões, mas também contratou um consórcio de empresas para desenhar o modelo baseado na lei das PPPs (Parcerias Público-Privadas). “Não estamos falando apenas de destruição promovida pela extrema direita, que defende esse projeto. Mas esse entreguismo inclui vários governos, incluindo do PT, e é alimentado pelo governo federal. Por isso, é fundamental exigir que o governo Lula cesse o financiamento de projetos privatistas do BNDES”.
Para Flávia, a resistência precisa ser ampla e unificada. “Não basta defender os serviços públicos. Precisamos de um Estado controlado pela classe trabalhadora. Só assim teremos educação e serviços públicos de qualidade e para todos”, concluiu.
André Bucaresky: a privatização da Petrobras e a entrega da soberania nacional
André Bucaresky, diretor do Sindipetro-RJ, encerrou as exposições sobre o quadro de ataques aos serviços e privatizações no Brasil e fez uma análise contundente sobre o desmonte da Petrobras.
O petroleiro destacou o papel histórico da Petrobras como fruto de uma das maiores lutas populares no Brasil, mas também abordou a trajetória contraditória da empresa, que ao longo das últimas décadas foi marcada por um profundo processo de privatização.
Lembrou que nos anos 90 houve a quebra do monopólio e a venda de ações na Bolsa de Valores de Nova Iorque, dando início a uma nova fase de orientação para os interesses privados do mercado financeiro e todos os governos desde então, inclusive do PT, com Lula e Dilma, não reverteram as privatizações nem a subordinação ao capital internacional.
“O objetivo da Petrobras não é garantir a produção de petróleo e atender às necessidades do povo brasileiro, mas sim remunerar os acionistas. A missão da empresa se transformou em gerar lucros e distribuir dividendos, especialmente para os investidores estrangeiros”, afirmou o dirigente.
“Em 2023, o lucro líquido da Petrobras foi de R$ 124 bilhões. 95% foi destinado para o pagamento de dividendos e disso 75% foi embolsado por acionistas estrangeiros. Este ano já foi registrado um lucro de R$ 53 bilhões, e R$ 44 bilhões foram para dividendos. Isso representa 82% dos lucros”, destacou Bucaresky.
O petroleiro terminou sua intervenção com um apelo à luta pela retomada do controle da empresa pelo Estado, sob a gestão dos trabalhadores. “Nossa luta é para que a Petrobras volte a ser 100% estatal e sob controle dos trabalhadores, para que essa riqueza seja colocada a serviço do povo brasileiro e não dos acionistas internacionais”, concluiu.
Após as exposições, houve tempo para intervenções dos participantes na reunião, que seguiram agregando informações e avaliações sobre a situação, encerrando o rico debate sobre o tema.
Votação dos relatórios e moções
Terminando o primeiro dia da reunião da Coordenação Nacional da CSP-Conlutas, na sequência foi realizada a mesa para a votação dos relatórios dos Setoriais da Central e moções, que foram aprovados pelos delegados e delegadas presentes.
A reunião da Coordenação prossegue nesta sexta-feira (15). Pela manhã, os participantes se somarão ao ato pelo fim da jornada 6×1 e pela redução da jornada que acontecerá na Cinelândia. Um dos principais fatos da luta de classes no momento tem o apoio da Central e por decisão coletiva foi integrado às atividades da Coordenação.
À tarde, a reunião será retomada com o ponto sobre Conjuntura Nacional e Plano de Lutas e um Painel sobre o Dia Nacional da Consciência Negra.
No sábado (16), todos e todas estarão no ato em Copacabana em defesa do povo palestino e em repúdio aos governantes imperialistas e genocidas do G20 que estão no Brasil.
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*Com a informação: Da CSP-Conlutas
*Foto de capa: CSP-Conlutas