Congelar salários é atacar serviços públicos, ressaltam servidores em greve nacional


17/03/2022 - Helcio Duarte Filho
No dia mais intenso até aqui da campanha para derrubar o congelamento salarial imposto por Bolsonaro, servidores denunciaram a opção do governo e da cúpula do Judiciário por manter os salários congelados.

No mais expressivo e mobilizado dia de luta da campanha salarial unificada do funcionalismo público federal, servidoras e servidores participaram, nesta quarta-feira (16), de atos presenciais e virtuais em dezenas de cidades do país e centralizaram manifestação em Brasília, onde foram ao Ministério da Economia pressionar o ministro Paulo Guedes.

Dois servidores foram autorizados a entrar no gabinete do Ministério, após muita pressão, para buscar alguma negociação. Fabiano dos Santos, diretor do Sintrajud e da Fenajufe, foi um deles. O outro foi Sérgio Ronaldo, pela Condsef (confederação de servidores de diversas categorias do Poder Executivo). Mas não houve nenhuma disposição de atendimento, em mais uma demonstração de desrespeito ao funcionalismo.

Em São Paulo, a categoria decidiu, em assembleia, realizar um ‘Apagão’, desligando-se do trabalho e aderindo à paralisação por 24 horas. Nas ruas e nas redes sociais, as manifestações afirmaram que há recursos para atender à reivindicação de um reajuste emergencial de 19,99%, referente à inflação acumulada ao longo dos três primeiros anos do governo Bolsonaro.

Capital federal

Em Brasília, a servidora Luciana Carneiro, da direção do Sintrajud, disse, do carro de som que acompanhava a passeata, que é preciso intensificar a mobilização para fazer com que o governo Bolsonaro não consiga encerrar a sua gestão sem conceder quaisquer reajustes aos servidores civis. “Não queremos nada de graça não, nós trabalhamos, produzimos e movimentamos esse país. Salvamos vidas, atendemos à população diuturnamente”, disse. “Aqui só tem trabalhadoras e trabalhadores, os vagabundos estão do outro lado, não estão aqui”, afirmou a servidora, que destacou ainda a importância da participação das mulheres nos protestos.

A caravana do Sintrajud no ato na capital do país reuniu 28 servidoras e servidores e, num dia de significativa presença de representantes das bases do PJU e MPU, era a maior delegação do Judiciário no ato. Os manifestantes reivindicaram ser recebidos por representantes do Ministério, porém, após chegarem a entrar no prédio para aguardar a resposta, foram informados que ninguém receberia a comissão. Desde que a pauta foi apresentada, em 18 de janeiro de 2022, não houve quaisquer negociações por parte do governo federal.

Viradão da Greve

À tarde, aconteceu uma atividade virtual chamada “Viradão da Greve”, promovida pela federação nacional (Fenajufe) com participação dos sindicatos – que se revezaram no relato de como foi a mobilização em cada estado. Também contou com a participação de convidados e com atrações culturais.

A auditora fiscal aposentada Maria Lúcia Fattorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, disse que não é por falta de recursos que os governantes se negam a conceder reajustes que recomponham o poder de compra dos salários. “Nós temos muito dinheiro no Brasil e o dinheiro está indo para o rentismo. Se nós tivéssemos uma dívida [pública] que estivesse servindo para investimento, ninguém estaria reclamando da dívida. O nosso problema é que a dívida absorve a maior fatia do orçamento. Ano passado foram 50% para o serviço da dívida e essa dívida não tem contrapartida de interesse social, de desenvolvimento sócioeconômico. O próprio Tribunal de Contas da União já declarou isso: essa dívida não tem interesse social”, criticou.

O economista Washington Moura, que assessora o Sintrajud e a própria federação, disse que as administrações públicas tiveram, mesmo com os limitadores legais impostos nos últimos anos, recursos nos orçamentos para conceder reajustes e optaram por manter os salários congelados.

“O orçamento do Judiciário teve um aumento de 8,35% de 2021 para 2022, e esses 8,35% [de aumento na previsão orçamentária] foram aplicados também sobre a folha de pagamento [no orçamento]. E eles não aplicaram nenhum centavo para recomposição salarial dos servidores. Então, sobre esses 8,35% não tem discussão, deveria ser automático”, observou o assessor econômico, informando que também em 2020 e em 2021 houve essa previsão orçamentária e as administrações preferiram direcionar os recursos para outras áreas.

“Eles não aplicaram nos salários. Se eles tivessem aplicado nos salários, nós não estaríamos aqui discutindo os 19,99%. É uma coisa simples, prática, elementar: eles receberam o IPCA no orçamento, receberam e não usaram com [o quadro de pessoal]”, disse Washington.

Já o advogado César Britto, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e integrante da assessoria jurídica da Fenajufe, abordou o direito de greve — tema em evidência diante do indicativo nacional de greve unificada do funcionalismo a partir de 23 de março.

Ele mencionou as greves e lutas dos operários do ABC paulista ainda no período da ditadura e disse que muitos dos direitos sociais inseridos na “Constituição Cidadã” de 1988 devem-se em grande parte ao peso daqueles movimentos paredistas. Movimentos que, disse, expressavam a insatisfação popular com o regime ditatorial, comandado pelos militares em parceria com grandes setores empresariais do país.

“O direito de greve vem muito forte na Constituição Cidadã de 88. Está lá escrito no artigo nono, em um capítulo específico, que o direito de greve é um direito fundamental”, disse, assinalando que a Constituição também assegura ao servidor público o direito de greve.

Decisão do STF

César Britto relatou recente decisão do Supremo Tribunal Federal, ocorrida em 11 de março de 2022, que reconhece não só o direito de greve, como a possibilidade dela ser deflagrada também em setores considerados essenciais dos serviços públicos. “O direito de greve é um direito fundamental e você não pode adotar medidas que o inviabilizem. Greve incomoda e se não incomodar não precisaria ter greve, esse é o sentido do acórdão da ministra Carmen Lúcia”, disse.

Também no “Viradão da Greve”, o servidor Fabiano dos Santos, dirigente da Fenajufe e do Sintrajud, avaliou positivamente o dia de mobilização e disse que as mensagens trazidas pelos palestrantes merecem reflexão e corroboram com a legitimidade do movimento que está sendo construído. O servidor também ressaltou a necessidade de ir além nesta mobilização, para que se possa ter a perspectiva de vitória: “A greve é necessária, nunca tivemos nenhuma conquista sem um movimento forte de greve”, resumiu.

Gravação do “Viradão da Greve”

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