Com 250 mil mortes e pandemia no pior momento, governo tenta acelerar ‘a boiada’


25/02/2021 - Helcio Duarte Filho
Na semana mais letal da pandemia no país, Bolsonaro se cala sobre vítimas e tenta acelerar as privatizações e a PEC 186, que ameaça conquista histórica da saúde e educação e os serviços públicos.

‘Comemoração’ da entrega do projeto governamental e privatização dos Correios (crédito: Pablo Valadares/Agência Câmara).

O Brasil atingiu a marca de 250 mil mortes por covid-19 nesta quarta-feira, 24 de fevereiro. Também registrou a maior média de vítimas fatais em sete dias desde o início da crise sanitária: foram 1.124 óbitos diários. Em 7 de janeiro, o país anotava 200 mil mortes. Isto é, 50 mil pessoas morreram em 48 dias. Os números não deixam dúvidas: sem vacina para todos, o país vive o pior momento da pandemia.

Na mesma data em que os 250 mil óbitos foram registrados, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), informou a jornalistas que no dia seguinte os parlamentares iniciariam a discussão em plenário da votação da proposta de emenda constitucional (PEC 186/2019) cujo substitutivo prevê o fim de uma conquista histórica da saúde e educação. Os pisos que fixam percentuais orçamentários mínimos de recursos públicos a serem aplicados nestas áreas deixariam de existir, de acordo com a proposta costurada pelo senador em almoço ocorrido na semana passada com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o relator da PEC, Márcio Bittar (MDB-AC) e outros  legisladores.

Na Câmara dos Deputados, o presidente da República, Jair Bolsonaro, e Paulo Guedes foram pessoalmente entregar ao presidente Arthur Lira (PP-AL), o edital de privatização dos Correios, uma lucrativa estatal, entre as mais antigas e simbólicas da integração do país. Posaram para o retrato. Nove homens brancos, oito deles sem máscaras, segurando um pedaço de papel e sorrindo, alheios às dores causadas pelas vidas perdidas.  Na véspera, chegara ao Congresso outra privatização, a medida provisória que trata da venda da Eletrobrás.

Poucas horas após a visita à Câmara, Bolsonaro promoveu no Palácio do Planalto uma cerimônia presencial que aglomerou algumas dezenas de pessoas para posse do ministro Onyx Lorenzoni, na Secretaria-Geral da Presidência, e do deputado João Roma (Republicanos-BA), no Ministério da Cidadania.

As duas posses ocorrem exatos 24 dias após as eleições dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, marcadas por denúncias de uma escancarada compra de votos de deputados e senadores com cargos e verbas extras em emendas parlamentares.

Lorenzoni foi um dos mais importantes ministros dos dois anos de governo de Michel Temer, um dos mais impopulares presidentes da história do país. A chegada dele a uma sala bem próxima a de Bolsonaro e a posse de João Roma celebram a aliança do governo, eleito a base de críticas à ‘velha política’, com o conhecido Centrão, conjunto de partidos e parlamentares cujo compromisso ideológico pode ser medido pelo fato de serem conhecidos por apoiar todos os governos.

Ao longo dessas horas de aglomerações, entrega de cargos e contestadas cartas de privatizações, não há notícia de que o presidente Jair Bolsonaro tenha feito comentário sobre as 250 mil vidas perdidas para o novo coronavírus ou anunciado alguma medida para pôr fim ao que seus opositores classificam como um genocídio em curso no país. Voltou, apenas, a falar outra vez contra as vacinas.

PEC 186

A PEC ‘Emergencial’ é um projeto do governo que antecede a pandemia. Chegou ao Senado em novembro de 2019, portanto quatro meses antes da primeira morte por covid-19 no Brasil. Para turbinar a votação, o governo conseguiu inserir em sua última versão a autorização para um novo auxílio emergencial para pessoas em vulnerabilidade social, benefício sinalizado pelo Planalto em parcos R$ 250,00, a serem pagos por quatro meses e para metade dos que o receberam em 2020. A oposição defende R$ 600,00 e para todos que estão em situação de vulnerabilidade social.

A manobra vem sendo definida como ‘chantagem’ por parcela dos parlamentares, que afirmam ser um golpe associar a concessão de um benefício social provisório a uma emenda constitucional que pode ter impactos profundos na administração pública nas três esferas de governo. Dirigentes sindicais chamam a proposta de ‘PEC da emergência fiscal dos banqueiros’. Reunidos em plenária virtual do Fórum dos Servidores (Fonasefe), representantes de entidades sindicais do funcionalismo, entre elas o Sintrajud, traçaram os próximos passos de uma mobilização urgente contra a PEC 186 e a ‘reforma’ administrativa.

‘Acelerar a boiada’

Pode ser coincidência, embora não pareça. Na mesma semana em que os estragos da pandemia atingem seu pior momento no país, um senador governista apresenta o substitutivo da PEC ‘Emergencial’ (186/2019) com ataques mais duros à saúde e educação públicas e aos serviços públicos em geral; chegam ao Congresso os papéis da privatização da Eletrobrás e dos Correios; e tomam posse, numa obviamente desnecessária confraternização, os ministros que simbolizam a aliança com o Centrão. Não surpreende que venha à mente de muita gente a frase do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na reunião ministerial involuntariamente tornada pública em abril de 2020, quando a crise sanitária já se alastrava pelo país: ‘É a hora de aproveitar para passar a boiada’. Até aqui, esta talvez seja a semana que mais representa esta máxima que acabou colada ao governo do capitão Bolsonaro.

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