Coletivo de mulheres encerra ciclo de formação do primeiro semestre


06/08/2021 - Luciana Araujo
Próximas iniciativas e atividades do Coletivo serão debatidas em reunião aberta à participação das mulheres da categoria, terceirizadas, estagiárias e funcionárias do Sindicato.

O Coletivo de Mulheres do Sintrajud – Mara Helena dos Reis encerrou o primeiro semestre de atividades com um balanço vitorioso. Desde o início do ano foram realizados três cursos de formação, uma roda de leitura, duas rodas de conversas e duas lives temáticas. “Nosso coletivo só vem se fortalecendo com esses cursos e ações de formação”, ressalta a diretora do Sindicato e coordenadora do Coletivo Luciana Martins Carneiro.

A última iniciativa, ocorrida no dia 31 de julho, foi o curso “Feminismo negro e o pensamento de Lélia Gonzalez”, ministrado pela psicóloga Alice Carvalho, especialista em saúde mental e atenção psicossocial e mestranda na Universidade de Santa Cruz do Sul (RS), onde pesquisa sobre os efeitos do racismo na subjetividade da população negra.

“O feminismo negro surge como uma ruptura com o ideário machista e racista que coloca as mulheres negras em um lugar de silêncio e aceitação da cultura imposta”, explicou Alice, ressaltando que o os primeiros passos da perspectiva organizada de feministas negras remontam ao processo da luta sufragista, quando mulheres brancas buscavam o direito ao voto e ao trabalho fora do ambiente doméstico enquanto as negras ainda lutavam pela liberdade, o reconhecimento como pessoas e o fim dos processos de escravização que lhes impunha trabalhos forçados penosos.

Alice destacou a contribuição ao debate feita pela socióloga estadunidense Angela Davis, que no livro ‘Mulheres, Raça e Classe’ consolida uma historiografia do feminismo nos Estados Unidos e ressalta que parte das feministas brancas manifestaram-se contra o direito ao voto da população negra (incluindo as mulheres negras) por receio dos impactos do reconhecimento da cidadania de ex-escravizados na economia e na constituição populacional daquele país. É desta época  famoso discurso da ativista abolicionista Sojourner Truth à Convenção dos Direitos das Mulheres em Ohio (EUA), em 1851.

“Aquele homem ali diz que é preciso ajudar as mulheres a subir numa carruagem, é preciso carregar elas quando atravessam um lamaçal e elas devem ocupar sempre os melhores lugares. Nunca ninguém me ajuda a subir numa carruagem, a passar por cima da lama ou me cede o melhor lugar! E não sou uma mulher? Olhem para mim! Olhem para meu braço! Eu capinei, eu plantei juntei palha nos celeiros e homem nenhum conseguiu me superar! E não sou uma mulher? Eu consegui trabalhar e comer tanto quanto um homem – quando tinha o que comer – e também aguentei as chicotadas! E não sou mulher? Pari cinco filhos e a maioria deles foi vendida como escravos. Quando manifestei minha dor de mãe, ninguém, a não ser Jesus, me ouviu! E não sou uma mulher?” (citado em ‘O que é lugar de fala?, da filósofa Djamila Ribeiro).

O discurso de Truth respondia aos contestadores do direito de voto às mulheres em geral, mas levantou também a questão do racismo no próprio feminismo autodeclarado universal.

Alice Carvalho também ressaltou a contribuição da pesquisadora estadunidense Kimberlé Crenshaw sobre a necessidade de pensar o feminismo intersecionando com os marcadores sociais de gênero, cor, classe, sexualidade, religiosidade, territorialidade, que constituem a própria noção de sujeitos nas sociedades.

No Brasil, explicou que a principal referência teórica do feminismo negro é a antropóloga Lélia Gonzalez, que teorizou como os múltiplos marcadores sociais atravessam a subjetividade e as vidas das mulheres negras expondo-as a maior vulnerabilidade e desigualdades sociais em todas as esferas da vida.

Foi Lélia Gonzalez também quem destacou a necessidade de recuperar a influência negra na formação socioeconômica, histórica e cultural do continente americano e cunhou o termo ‘amefricanidade’ – a importância de tratar a escravização como uma experiência comum no continente, na dominação e na colonização para resgatar a história de resistência e luta pela valorização dos saberes produzidos por mulheres negras e indígenas como parte do processo de descolonização das produções acadêmicas.

Alice Carvalho abordou ainda o tema do racismo estrutural – a noção de que as discriminações baseadas nas diferentes noções de raça ou etnia dificultam ou impedem o acesso a direitos iguais para as populações não brancas.

O Coletivo

Formado em 2017, o Coletivo Mara Helena dos Reis recebeu este nome em homenagem a uma colega da categoria e ex-diretora de base vítima de feminicídio na noite de Natal de 2018. A principal campanha permanente do Coletivo é a luta contra o assédio moral e sexual (baixe aqui a cartilha). O colegiado também realiza atividades de formação, iniciativas de confraternização, como o ‘Boteco Feminista’ realizado também no mês de julho, e acompanha procedimentos gerados a partir de denúncias de servidoras, assegurando o sigilo da denunciante. Se você foi ou está sendo vítima de assédio sexual e/ou moral, denuncie clicando aqui.

Assista à versão editada do curso e participe das próximas atividades:

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