Coletivo de Mulheres e Sindicato abrem debate sobre descriminalização do aborto


31/08/2018 - Luciana Araujo

Crédito: Carlos Moura (ASCOM/STF)

 

Em meio à discussão que tramita no Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade de criminalizar mulheres que interrompem voluntariamente uma gravidez, o Coletivo de Mulheres do Sintrajud deliberou em sua última reunião abrir o debate na categoria.  O tema tem levado a mobilizações em diversas cidades do país e do mundo, especialmente após iniciativas de propostas legislativas que fazem retroceder o ordenamento jurídico nacional ao período anterior ao Código Penal, de 1940.

Há mais de 40 projetos tramitando no Congresso Nacional que ameaçam os direitos constituídos para as mulheres na legislação brasileira, inclusive as leis de proteção às vítimas de violência sexual. Alguns ganharam destaque no debate público. São elas:

– A Proposta de Emenda Constitucional 181, à qual foi incorporada a exclusão da possibilidade de abortamento inclusive nos casos previstos hoje no Código Penal (estupro e risco de morte à mulher) ao estabelecer o princípio da vida desde a concepção, concedendo capacidade civil ao feto.

– O PL 5069/2013 (que ficou conhecido como o ‘PL do Eduardo Cunha’, deputado autor da proposta), que proíbe até mesmo a orientação profissional a mulheres em caso de abortamento e condiciona o reconhecimento do crime de estupro à constatação em exame de corpo de delito.

– O Estatuto do Nascituro (PL 478/2007), que estabelece que, nos casos de estupro, se o autor do crime for identificado será ele o responsável por assegurar o pagamento de uma pensão ao nascituro até que ele complete 18 anos. A proposta do então deputado Luiz Bassuma (PT/BA) ficou conhecida como ‘bolsa estupro’.

O objetivo do Coletivo é, a partir do posicionamento de servidoras e servidores, levantar os principais argumentos e aferir a opinião média entre os trabalhadores do Judiciário Federal no Estado de São Paulo a fim de subsidiar como o Sindicato deveria se posicionar frente ao julgamento, que ainda não tem data para ocorrer.

Tribuna de debates

Diante do fato que o Judiciário Federal vai decidir sobre a questão, foi consenso que a descriminalização ou não do procedimento precisa ser debatida na categoria. E todas as mulheres – incluindo as que são contrárias à realização do aborto – consideraram que é um tema no qual o Estado não pode ter prerrogativas absolutas de coerção.

Foi aprovada a abertura de uma nova Tribuna de Debates na categoria, com expressão dos posicionamentos favoráveis e contrários. Para tanto, foram convidados a escrever textos de até 5 mil caracteres, para publicação em edição especial do Jornal do Judiciário, trabalhadores que já manifestaram opinião em outras oportunidades. Os textos devem ser entregues até o dia 4/9 (terça-feira) às 23h59 e serão publicados no jornal apenas os dois primeiros que chegarem (um de cada posição). As contribuições devem ser enviadas ao e-mail <[email protected]>.

Também serão publicados no site textos sem limite de caracteres que sejam enviados sobre o tema. Será exigida apenas a identificação da autoria e lotação da pessoa que mandar a contribuição, para fins de comprovação de que se trata de servidora ou servidor do Judiciário Federal no Estado de São Paulo.

O Sindicato vai realizar em 29 de setembro (sábado), às 14 horas, um debate com participação de especialistas no assunto, assegurando também as duas opiniões (contra e a favor). A atividade acontecerá no Hotel São Paulo Inn, em virtude da reforma no 15° andar do prédio onde funciona o Sindicato.

Por que temas como o aborto devem estar na agenda do sindicato?

As servidoras que participaram da reunião do Coletivo de Mulheres buscaram responder ao questionamento do subtítulo, que sempre surge quando se trata de temas polêmicos. Para as participantes, a discussão se justifica, em primeiro lugar, porque 49% da categoria são mulheres. E, de acordo com dados da Pesquisa Nacional de Aborto divulgados em 2016, pelo menos uma em cada cinco brasileiras até os 40 anos de idade já fez, no mínimo, uma interrupção voluntária de gravidez.

Ou seja, em cada sala ou local de trabalho do Judiciário que tenha cinco colegas mulheres é quase certo que ao menos uma tenha precisado em algum momento da vida recorrer ao aborto – por falta de condições financeiras ou psicológicas, ou porque a gravidez foi produto de violência sexual. Provavelmente jamais saberemos pois a decisão é solitária e estigmatizante. Embora, na maioria dos casos, o homem que participa da relação sexual da qual resulta uma gravidez indesejada não sofra nenhum questionamento.

Talvez a pergunta pertinente no debate seja: ‘Você não se importaria que uma das suas colegas fosse presa?’ Ou ‘Você concorda que uma mulher deva ser presa por realizar um aborto?’

Para as participantes do Coletivo, é necessário debater ainda ‘que políticas são necessárias para prevenir ou evitar o aborto’. E também ‘quantas trabalhadoras terceirizadas no seu local de trabalho já perderam o emprego porque engravidaram ou tiveram que recorrer ao aborto para manter o contrato de trabalho nas condições precárias que vemos todos os dias nas unidades do Judiciário Federal, muitas delas já mães de mais de um filho?’

Outra razão para o Sindicato debater o tema, na opinião das servidoras, é o fato da criminalização gerar desigualdades de direitos inclusive na esfera profissional.

“Quando uma servidora perde um bebê ela tem um mês de licença, mas se faz um aborto tem que ir trabalhar no dia seguinte, não importa se ela está mal psicologicamente, com algum sintoma físico. Ou seja, não há direitos iguais dentro do próprio serviço público”, lembrou uma das servidoras.

A Lei 8.112/1990 (Regime Jurídico Único) estabelece licença de 30 dias para a servidora que dê à luz um natimorto. Decorrido o prazo ela será submetida a exame médico, e “se julgada apta, reassumirá o exercício do cargo”. A servidora também tem direito a 30 dias de repouso remunerado em caso de aborto atestado por médico oficial (estupro ou risco de morte para a mulher, como estabelecido no Código Penal, ou anencefalia do feto, autorizado pelo STF em 2012). Aí reside outra contradição em criminalizar a interrupção induzida da gravidez até a 12ª semana – tema da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental em debate no Supremo. Ao estabelecer que o risco de morte à mulher é um permissivo legal para a interrupção da gravidez, o próprio Código Penal, de 1940, reconhece a necessidade de assegurar a uma pessoa com direitos civis pacificamente constituídos o direito à vida.

As mulheres presentes à reunião lembraram ainda que em nenhum caso a interrupção da gravidez é um procedimento fácil. Também foi ressaltado que a defesa da descriminalização não se confunde com defender o aborto, nem sua utilização como método contraceptivo.

Os fundamentos da ADPF 442

O texto da ADPF (Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental) ressalta que:

“as razões jurídicas que moveram a criminalização do aborto pelo Código Penal de 1940 não se sustentam, porque violam os preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, da saúde e do planejamento familiar de mulheres, adolescentes e meninas”.

A ação também aponta que:

“a solução da questão do aborto deve ser jurídica, e as evidências científicas relevantes à pacificação constitucional da controvérsia devem ser aquelas que apontam para os sentidos de justiça da criminalização do aborto à luz da ordem constitucional vigente e de instrumentos internacionais de direitos humanos”.

Outro elemento destacado  na ação  é que “a despeito de todas as mulheres estarem potencialmente submetidas à proibição penal do aborto, a criminalização afeta desproporcionalmente mulheres negras e indígenas, pobres, de baixa escolaridade e que vivem distante de centros urbanos, onde os métodos para a realização de um aborto são mais inseguros”. E esta situação já foi reconhecida por mecanismos internacionais de monitoramento da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984), da qual o Brasil é
signatário, como tortura.

É sobre estas bases que  o STF está debatendo a constitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que estabelecem penas de um a quatro anos de prisão para a mulher ou quem realiza o aborto.

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