Colega da JF/SBC é vítima de feminicídio: Mara Helena, presente!


27/12/2018 - Luciana Araujo

Facebook pessoal.

Tomamos conhecimento na tarde desta quinta-feira (27 de dezembro) da morte trágica da colega Mara Helena dos Reis, servidora da Justiça Federal em São Bernardo do Campo.

Aos 51 anos, Mara era contadora de profissão e analista judiciária lotada no Núcleo de Apoio Regional da JF, onde atuava como supervisora de cálculos judiciais. Funcionária da Seção Judiciária de São Paulo desde 12 de novembro de 1996, teve sua vida ceifada pelo homem com quem morava em uma chácara no bairro Jardim Novo, na cidade de Ribeirão Pires, no ABC Paulista. O crime aconteceu no dia 24 de dezembro.

O autor, Leandro Lustoza dos Santos, confessou o assassinato e teve a prisão temporária pedida, de acordo com informações da polícia.

A diretoria do Sintrajud manifesta seu mais profundo pesar com a morte e as circunstâncias nas quais a vida da colega foi ceifada.

Mara era uma ativa lutadora do Judiciário Federal, participante de várias mobilizações e greves da categoria. Ela chegou a ser diretora de base do Sindicato, eleita em 2011.

Mara, na primeira fileira de servidores, ao centro da foto, em manifestação da categoria em Brasília, no ano de 2011 (Arquivo Sintrajud).

 

Colegas do Judiciário também ficaram consternados com a notícia.

Diretor de base representando o Núcleo de Aposentados do Sintrajud, o oficial de justiça Ivo Oliveira Farias frisou as participações de Mara nas lutas da categoria. “Lembro dela sempre em nossos atos, greves, ela chegou a participar de comandos de greve, muito triste”, disse.

Antônio Melquíades, servidor da JF e ex-dirigente da Fenajufe e do Sindicato, também lembra de Mara nas lutas. “Conheci ela, que dó, que coisa horrível, isso é inaceitável”, afirmou.

“Lembro dela em algumas caravanas, super alto astral! Que absurdo! Isso tem que acabar”, frisou o diretor do Sintrajud e servidor do TRT Henrique Sales da Costa.

Um crime de ódio

“Percebo que existe um ódio muito forte emanado contra o ser considerado mais frágil: mulher, criança, idoso. Essa não aceitação tem que findar”, comentou a diretora de base e servidora do cartório eleitoral de Guarujá, Juliana Soares de Lima.

Tadeu Romano Godói, diretor de base no Administrativo da JF, lembrou que o problema é de ordem social, muito além de uma questão individual, e que a sociedade precisa compreender a chaga que ele representa. “Quando nos revoltamos com nossos representantes que acham que machismo é ‘ok’, que não existe feminicídio, racismo, homofobia etc, somos mal vistos. É lamentável. Que triste”, afirmou.

“Essa insegurança nos ronda e está mais perto do que possamos imaginar. Quando acontece tão perto assim fica ainda mais difícil”, completou a também diretora do Sindicato e servidora da JT/Cubatão Lynira Rodrigues Sardinha.

O contexto do feminicídio íntimo

O conceito do feminicídio surgiu na década de 1970, como uma forma de identificar motivações distintas da chamada violência urbana. O objetivo é diferenciar quando o crime está diretamente associado ao fato de a vítima ser uma mulher, diferentemente, por exemplo, de um latrocínio (roubo seguido de morte) comum. A visibilidade das circunstâncias do assassinato é importante para o desenvolvimento de políticas públicas que enfrentem a violência fatal contra mulheres.

As características de tais crimes são evidentes. Esse tipo de homicídio ocorre geralmente acompanhado de violência doméstica, tortura da vítima, agressão a partes consideradas femininas (rosto, cabelos, seios, ventre, genitais) ou violência sexual.

O feminicídio foi incorporado como um tipo penal no ordenamento jurídico brasileiro com a Lei 13.104/2015, tornando-se uma qualificadora de crime hediondo, como o estupro. A Lei de Feminicídio foi uma das recomendações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou a violência contra as mulheres nos 27 estados brasileiros e no Distrito Federal, de março de 2012 a julho de 2013, dado o tamanho do problema no país.

O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídios. Em 2017 foram registrados 1.133 casos, contra 929 no ano anterior, segundo o 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Também no ano passado, em todo o país foram proferidas 4.829 sentenças em processos judiciais sobre o assassinato de mulheres em contexto de violência doméstica ou nos quais fica evidente o menosprezo pela condição feminina.

Dados mais recentes, divulgados neste ano pelo Ministério Público de São Paulo no estudo Raio X do Feminicídio em SP: é possível evitar a morte, apontam que 66% dos feminicídios acontecem dentro da casa da vítima, como no caso de Mara. São mortes perpetradas por parceiros, tios, pais, irmãos ou outras pessoas do convívio da mulher. Os números evidenciam a responsabilidade de toda a sociedade e em especial do Estado brasileiro na perda de vidas como a de Mara. E exigem que tenha fim, além das mortes, a comum culpabilização das vítimas pela morte sofrida. Não há nada que explique um feminicídio além da noção de posse do autor sobre a vida da mulher.

“Quando dizemos que é preciso dar visibilidade às mortes em razão de gênero não estamos querendo dizer que esses crimes são os mais graves que acontecem no País e por isso precisam ser punidos de forma mais grave, mas mostrar que esses crimes têm características particulares, especificidades, que o feminicídio não acontece no mesmo contexto da insegurança urbana, mas afeta a mulher pela sua própria condição de existência”, explica a professora da USP e consultora da ONU Mulheres no Brasil, Wânia Pasinato, no Dossiê Violência contra as Mulheres desenvolvido pelo Instituto Patrícia Galvão.

Mara Helena dos Reis, presente! Agora e sempre!

 

*Atualizado às 21h19 para correção do cartório eleitoral da diretora de base Juliana – anteriormente estava informado Caraguatatuba.

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