CNT defende fim da Justiça Trabalhista por interesses ideológicos e econômicos


18/12/2018 - Luciana Araujo

No último dia 14 a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) divulgou nota defendendo o fim do Tribunal Superior do Trabalho e afirmando que “atuação de juízes contra as medidas da Reforma Trabalhista causa insegurança jurídica”. Para a patronal dos transportes o STJ deveria assumir as funções da justiça especializada nos litígios decorrentes das relações de trabalho.

A diretoria do Sintrajud repudia mais esse ataque ao Judiciário Trabalhista é reforça que esse é um discurso que tem por trás a ideologia que imputa os custos da crise e da recessão aos trabalhadores, e busca subtrair direitos e renda do trabalho. A direção do Sindicato reforça ainda que essa perspectiva, ao contrário do que afirmam seus patrocinadores, não gera mais empregos nem dinamiza a economia. O que ficou evidente passado o primeiro ano da ‘reforma’ trabalhista, que só fez crescer as ilegalidades.

“A chamada ‘reforma’ trabalhista, que tramitou em tempo relâmpago no Congresso e contou com forte lobby empresarial, além de ter um muito texto ruim tecnicamente, não afasta a interpretação e aplicação do Direito do Trabalho como um todo”, lembra o diretor do Sintrajud e servidor do TRT Tarcisio Ferreira.

“A fixação da jurisprudência dos tribunais, e ainda mais do TST, é um processo que leva anos. Esse discurso é uma chantagem e uma ameaça dos que pretendem aprofundar na marra o desmonte do Direito do Trabalho, de forma contrária ao próprio Direito. Então, é, no mínimo, uma ironia que se fale em segurança jurídica”, completa o dirigente.

Tarcisio lembra ainda que a maioria das ações na Justiça do Trabalho trata de direitos trabalhistas elementares, inclusive o pagamento de verbas rescisórias descumprido por empresas nas dispensas sem justa causa. “Quem está sujeito a condenações é justamente quem não cumpre a legislação. Então, quando falam em segurança jurídica pensam na verdade em subtrair direitos. Ou o que falar da segurança jurídica e da própria segurança alimentar dos trabalhadores? A solução dos conflitos trabalhistas passa pela realização dos direitos, e não pela extinção das instâncias de regulação, como é o caso da JT”, ressalta.

A campanha “8 fake news sobre a Justiça do Trabalho, lançada em setembro deste ano pelo Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho (Coleprecor), destaca que “o empregador, ao não efetuar o pagamento das verbas correspondentes à dispensa do empregado, é o responsável pela maioria das reclamações trabalhistas”. A campanha informa ainda que, em 2016, 58% das reclamações trabalhistas foram relacionadas a verbas rescisórias, evidenciando que não é o Judiciário Trabalhista que cria os conflitos ou a insegurança jurídica, mas os ataques ao Direito promovidos pelo empresariado.

Extinguir o sistema de regulação dessas relações seria “favorecer um dos lados do conflito subtraindo do outro os meios para defender os seus direitos”, destaca Tarcisio.

Perseguição a juízes

Em 2017, a Confederação divulgou um manual para que empresários do setor denunciassem juízes que decidissem contra a aplicação da Lei 13.467/2017 – o que vem ocorrendo nos casos de conflito constitucional. Até mesmo um modelo de “reclamação disciplinar” foi disponibilizado, numa franca ofensiva contra a independência funcional dos magistrados.

A Associação Nacional de Magistrados Trabalhistas (Anamatra) ingressou com ação ordinária de remoção do ilícito e indenização por dano moral coletivo contra a CNT, por constrangimento do livre exercício jurisdicional.

Afronta à Constituição

O desmantelamento da estrutura de regulação das relações de trabalho no país vem sendo questionado até mesmo por setores vinculados ao atual modelo de gestão ultraliberal. A atual Secretaria Executiva do Ministério chegou a solicitar parecer da Advocacia-Geral da União, que se manifestou contra a extinção do órgão.

“As políticas promovidas pelo Ministério do Trabalho (…) revelam-se ainda mais importantes considerado o cenário atual, em que a taxa de subutilização da força de trabalho alcança 24,6% da população brasileira, ou seja, aproximadamente 27,6 milhões de pessoas”, afirma trecho do parecer da Advocacia-Geral.

O fim da pasta foi considerado inconstitucional pelo consultor jurídico da AGU, Francisco Moacir Barros, apontando na medida um ataque aos fundamentos da República. O parecer afirma que “tem-se por totalmente incompatível com a Constituição a simples extinção do Ministério do Trabalho, já que, consta expressamente na Carta Magna, que a República Federativa do Brasil tem por fundamento o valor social do trabalho e o compromisso de desenvolver uma ordem social embasada no primado do trabalho”.

Leia aqui a íntegra do parecer da AGU (página 1 e página 2)

Manobra legislativa

O jornal eletrônico ‘The Intercept Brasil’ publicou reportagem em abril do ano passado informando ter examinado as 850 emendas apresentadas por 82 deputados durante a discussão do projeto de lei da ‘reforma’ trabalhista na Comissão Especial constituída no Congresso. De acordo com o veículo, foi possível verificar que 292 emendas (34,3%) foram integralmente redigidas em computadores de representantes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).

A CNT foi uma das entidades que fez intenso lobby pró desmonte da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Presidente da CNT é condenado por peculato e lavagem de dinheiro

A postura da CNT pode ser lida também como uma tentativa de coação aos juízes contra decisões que afetem os interesses do empresariado dos ramos de transporte e logística, já que não são poucos os interesses do segmento na precarização do trabalho. Em todo o país têm sido implementadas medidas como a eliminação de postos de emprego de cobradores em ônibus de passageiros, o que expõe cidadãos a risco de acidentes enquanto o motorista dirige e cobra. A greve dos caminhoneiros, no ano passado, também evidenciou como o empresariado do setor ganha com a depreciação das condições de trabalho de motoristas. E a Confederação é autora de uma ação no STF questionando a penhora de ativos em processos judiciais.

Envolvida com inúmeras ações trabalhistas e denúncias de fraudes, a CNT tem muitos interesses a serem questionados.

Além disso, seu presidente, Clésio Andrade, também não tem as melhores relações com o Judiciário. No ano passado, antes de deixar a Procuradoria-Geral da República, o ex-procurador Rodrigo Janot denunciou Clésio Andrande pelo desvio R$ 150 mil da entidade, supostamente destinados para auxiliar na eleição do deputado federal licenciado Odair Cunha (PT/MG). Em 20 de novembro deste ano, o ministro Luiz Fux encaminhou o processo ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, sob a argumentação da perda de foro privilegiado de Clésio e dos fatos denunciados não estarem relacionados ao exercício do mandato de Odair.

Em maio deste ano, Clésio, que preside a CNT  e o Sest/Senat, foi condenado em primeira instância, por peculato e lavagem de dinheiro, a uma pena de cinco anos, sete meses e 15 dias em regime semiaberto. Esta condenação refere-se, no âmbito do ‘Mensalão Mineiro’, a desvios de verbas da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), da Companhia Mineradora de Minas Gerais (Comig) e do Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge).

Clésio, ex-senador e ex-vice-governador de Minas Gerais pelo MDB, também foi tornado réu em 2014 no escândalo do ‘Mensalão Tucano’ por suposto desvio de verbas do Serviço Social do Transporte (Sest) e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat), em Brasília e em Minas.

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