CNJ condena juiz Marcos Scalercio, do TRT-2, a aposentadoria compulsória por casos de assédio sexual


23/05/2023 - Niara Aureliano
Aposentadoria compulsória é a pena máxima dentro da Lei Orgânica da Magistratura; Sintrajud defende revisão da Loman por punições mais severas

Em julgamento do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), instaurado para apurar denúncias de assédio e importunação sexual feitas por uma servidora do TRT, uma advogada e uma estudante do cursinho Damásio contra o magistrado Marcos Scalercio, do TRT-2, conselheiros do CNJ decidiram pela aposentadoria compulsória do juiz com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, nesta terça-feira, 23 de maio. O salário de Scalercio hoje é de mais de R$ 32 mil.

Foto: Jesus Carlos

A aposentadoria compulsória é a pena máxima nesta sessão administrativa do Conselho Nacional de Justiça. O Sintrajud defende a revisão da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) para que juízes possam receber penas mais duras em casos comprovados de assédio, importunação sexual e outros crimes.

A advogada do Sintrajud, Eliana Lúcia Ferreira, classifica a aposentadoria proporcional ao tempo de serviço como incoerente. “Entendo que se faz cada vez mais necessário a mudança na LOMAN para garantir que a penalidade avance para a perda do cargo. É uma incoerência que os magistrados que cometam atrocidades como este caso, e até no caso tão conhecido do LALAU, juiz condenado por desvio de verbas, dentre outros, sejam premiados com a aposentadoria proporcional ao tempo de serviço”, falou.

Foto: Kit Gaion

Ela ainda ressaltou que várias falas de diversos Conselheiros do CNJ destacaram a ausência de um procedimento “coerente e firme no TRT-2”. “O processo das demais vítimas segue e já pedimos a admissão do Sintrajud como terceiro interessado, no mês de abril. Estamos aguardando manifestação do pedido e acompanhando os próximos desdobramentos do outro processo administrativo aqui [no TRT-2]”, disse Eliana.

Críticas ao TRT-2
A coordenadora do Coletivo Mara Helena dos Reis – Coletivo de Mulheres do Sintrajud, a diretora Luciana Carneiro avaliou a importância do Sindicato, em parceria com outras entidades, como o Movimento Me Too e o Sindicato dos Advogados e Advogadas (SASP), para atuar contra a impunidade no TRT-2, exigindo que o juiz fosse punido e repudiando a decisão do arquivamento do caso, bem como a importância da campanha “Assédio Não”. Ela rememora o arquivamento de PADs no tribunal, criticando o que classificou como proteção, que teria sido dada pelo corregedor do TRT-2 à época, Sergio Pinto Martins a Scalercio. “Um amigo o protegeu, passou pano e mais uma vez revitimizou as mulheres que ousaram denunciar o magistrado no tribunal”, relembra.

Foto: Kit Gaion

Dessa forma, a diretora destacou diversas falas de Conselheiros do CNJ durante o julgamento, em que analisaram na mesma toada a falta de um procedimento firme no TRT-2 quanto a casos de assédio sexual. Foi o caso do Conselheiro Marcello Terto, que afirmou:

“Se esse juiz é tarado a esse ponto, a pena de aposentadoria compulsória é pouca. E há mais, há outras 19 vítimas aí. Espero que o TRT tome alguma providência porque tenho notícias de que lá não se tem o hábito de levar a termo esses processos disciplinares, parece que falta quórum. É preciso se repensar a instituição, o Poder Judiciário enquanto instituição responsável pela correção da atitude e do comportamento dos juízes, que acima de tudo não devem só aparecer, devem de fato parecer pessoas a altura de funções tão importantes”, apresentou o voto, indignado, quanto à postura do tribunal.

Criticando a pena máxima de aposentadoria compulsória e reivindicando a revisão da Loman, Luciana frisou ainda que a decisão é resultado de muita luta das mulheres.

“Caso o Coletivo de Mulheres do Sintrajud, outras entidades e coletivos, como o Me Too e SASP, não tivessem lutado, o caso não teria sido levado ao CNJ, teria permanecido arquivado ad eternum no TRT-2. Hoje essas mulheres estão se sentindo vitoriosas, sentindo que valeu a pena a luta delas, que foram ouvidas e que suas vozes ecoaram, que mais uma vez não foram revitimizadas, que não viram ser protegido o assediador. A punição que a gente esperava, que ele merece, é que fosse banido do Judiciário sem aposentadoria. Há possibilidade de ele ser condenado penalmente”, finalizou, reforçando que segue a luta por respostas no TRT-2.

Advogada do Me Too, Luanda Pires, também realçou o caráter de reparação na decisão do CNJ.
“É uma decisão acertadíssima do CNJ, é um marco. É importante ressaltar o caráter de reparação dessa decisão porque o TRT-2 arquivou esse mesmo procedimento sem ao menos investigar, sequer ouviu as vítimas de forma adequada, tudo para proteger a instituição, revitimizando quem deveria ser protegida. É uma decisão paradigmática também porque é a primeira decisão do CNJ com a aplicação do Protocolo de perspectiva de gênero, que é obrigatório para o Judiciário, que leve em consideração a estrutura misógina e machista que esse país tem, que busca proteger de fato e evitar decisões enviesadas e discriminatórias”.

E completou: “Toda e qualquer lei orgânica que ainda permita que a punição mais rigorosa seja a aposentadoria compulsória é preciso que seja revista e regulada pelo Estado de forma adequada e o quanto antes, para que casos como o dele, ou outros cometidos por pessoas em funções públicas, que exigem demissão sem nenhuma remuneração tenham outra resposta que não a aposentadoria proporcional”.

Julgamento no CNJ
A juíza Salise Sanchonete, sorteada como relatora do caso, fez a sustentação oral e submeteu o voto ao plenário do Conselho Nacional de Justiça, em relação aos crimes de Scalercio, que teriam sido cometidos em 2014, 2018 e 2020. Mais de 680 pessoas assistiram ao julgamento nesta terça (23) transmitido ao vivo pela página do CNJ no Youtube.

Após sustentação da relatora, os Conselheiros ressaltaram a importância da aplicação do protocolo de perspectiva de gênero no caso. O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero foi criado com escopo de orientar a magistratura no julgamento de casos concretos, de modo que magistradas e magistrados julguem os casos sob a lente de gênero, avançando na efetivação da igualdade e nas políticas de equidade.

O ministro Marcos Vinícius Jardim enalteceu a utilização do protocolo. “Salvo engano é pioneiro nessa Casa [a utilização do protocolo] a respeito de análise de violência contra a mulher. Acredito que é o primeiro julgamento que seja utilizado o protocolo com essa temática. Já antecipo que sigo integralmente o voto… Mas fica minha indignação de como nós ainda temos que avançar. Os fatos são longevos, estamos falando de 3 vítimas, imaginemos quantas vítimas estão envoltas nesta situação”, pontuou.

O ministro Vieira de Mello Filho demarcou no voto a repulsa com o caso. “Triste, vergonhoso e causa repulsa porque a nossa Justiça é uma Justiça de pessoas vulneráveis. O exercício de uma autoridade abusiva, assediadora, é um mal que revela neste caso concreto não a origem de fruto do machismo estrutural, mas aqui agregado com o institucional”.

A presidente do CNJ, Ministra Rosa Weber, comentou sobre a penalidade. “A pena proposta é absolutamente proporcional à gravidade de tudo que restou comprovado. Eu lamento que a nossa legislação assegure vencimentos ou subsídios proporcionais ao tempo de serviço. No caso, aposentadoria sim, compulsória, mas, de certa maneira, essa é a nossa legislação, nós temos que aplica-la. O que mais doi neste processo, a partir de tudo, enquanto civil, é de que as condutas eram adotadas e se invocava a condição de magistrado ‘eu posso porque sou juiz’”, acentuou, subscrevendo na íntegra o voto.

Votaram acompanhando integralmente não só o afastamento das preliminares, mas também o mérito os Conselheiros Richard Pae Kim, Marcio Luiz Coelho de Freitas, Giovani Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinicius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia, Luiz Fernando Bandeira de Mello, Luis Felipe Salomão, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Mauro Martins e a presidente Rosa Weber.
A defesa de Scalercio foi representada pelo advogado Leandro Raca, que negou as acusações.

Foto: Kit Gaion

Relembre o caso
Marcos Scalercio é juiz substituto do TRT-2. Votação unânime em 6 de setembro do ano passado determinou a abertura do PAD no CNJ e afastou o magistrado cautelarmente das funções, dadas as denúncias de assédio sexual e importunação sexual feitas por uma aluna do cursinho Damásio, uma funcionária do TRT-2 e uma advogada.

O afastamento se deu para evitar que o juiz pudesse ter contato com servidoras e demais mulheres que circulavam pelos fóruns trabalhistas. Antes disso, o TRT-2 havia designado que Scalercio servisse na 18ª Vara Trabalhista da Zona Sul provisoriamente, entre os dias 5/9 e 16/9, em auxílio para execução judicial, em decisão questionada pelo Sintrajud via requerimento que ponderava que o ambiente de trabalho exige condições físicas, mentais e psíquicas para os trabalhadores e trabalhadoras, sendo inadmissível o retorno do magistrado.

Ato na Barra Funda pelo afastamento imediato de Scalercio, em 5 de setembro de 2022 Foto: Jesus Carlos

Assim que as denúncias vieram a público, o Sintrajud, em parceria com o Sindicato dos Advogados e Advogadas e o Movimento Me Too fizeram mobilizações e protestos para pressionar pelo afastamento imediato do magistrado. Em setembro, as entidades entregaram à ouvidora do TRT-2 Rosana Buono, denúncias contra Marcos Scalercio, posteriores ao processo arquivado pelo Regional.

Foto: Jesus Carlos

O Movimento Me Too, através da Dra. Luanda Pires, fez a denúncia do caso. Em parceria com o Sintrajud e SASP, verificaram os procedimentos equivocados adotados pelo TRT-2 no desdobramento da denúncia. O Sintrajud apontou situações de ausência de ampla defesa e direito ao contraditório, cerceamento da produção de provas, inexistência de procedimentos com a perspectiva de gênero, dentre outros fatos, em uma série de fatores que contribuíram para o arquivamento do procedimento no Regional.

O Movimento Me Too em unidade com o Sintrajud, seu Coletivo de Mulheres e SASP seguiram em luta com recursos, denúncias e outras iniciativas, atuando em busca de uma solução que garantisse a tramitação do processo administrativo e sua apuração.

Agora esperam que o processo das demais vítimas tenha a devida e rigorosa apuração no TRT-2.

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