Escadas da Câmara de Vereadores do Rio, Cinelândia, palco de dezenas de protestos que movimentaram as ruas do Centro da capital fluminense, de junho de 2013 até meados de 2014. Foi ali que se reuniram algumas dezenas de ativistas solidários aos 23 manifestantes daquele período julgados e condenados pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, ao participarem dos protestos que levaram milhões de pessoas às ruas do Rio e de todo o país. A vigília em solidariedade aconteceu no dia seguinte à divulgação da condenação.
Indignação e afirmações de que a decisão não calará as ruas permearam os discursos. ‘O governador que comandou o processo contra os 23 está preso, como chefe de uma quadrilha que assaltava os cofres públicos’, disse um dos participantes da reunião, referindo-se a Sérgio Cabral Filho, condenado a mais de 100 anos. ‘É um ataque contra todo o movimento, é um aviso do que acontecerá com quem ousar ir às ruas e lutar. Mas eles não vão conseguir nos calar’, afirmou uma ativista cujo nome preservamos para evitar mais retaliações.
Transcorrida na noite da quarta-feira (18), a reunião é parte de uma movimentação que busca impulsionar a mobilização em defesa dos condenados por Itabaiana, um juiz conhecido por suas posições conservadoras. “Eu apoio os 23” é o mote da campanha, associado à ideia de que o movimento de solidariedade ‘não é só pelos 23’.
Nove destes jovens homens e mulheres, condenados a penas que variam de 5 a 13 anos de prisão e que vão aguardar o julgamento do recurso em liberdade, participaram de entrevista coletiva no dia seguinte, concedida exclusivamente para a mídia alternativa, na sede do Sepe-RJ, o sindicato dos profissionais da educação no Estado do Rio de Janeiro. Anunciaram que, como se esperava, vão recorrer à 2ª instância da Justiça e que não vão se intimidar.
O primeiro ato público em solidariedade ao grupo está previsto para esta terça-feira (24), no auditório do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ifcs/UFRJ). Outras atividades devem ser convocadas. “Não são só os 23 que estão sofrendo esses ataques, mas uma série de lutadores no Brasil”, disse, na entrevista coletiva, a professora de Sociologia Rebeca Souza, da rede estadual de educação e uma das incluídas no processo. Ela relatou que, na véspera, a organização Justiça Global informou que nunca se assassinou tantos defensores dos direitos humanos nos meios urbano e rural do país. A condenação dos 23 ativistas de 2013 e 2014, raciocinou, é parte desse processo de perseguição aos que lutam por uma sociedade com mais justiça social.
A condenação é apontada pelo movimento em defesa dos ativistas como uma represália à mobilização que se alastrou pelo Rio de Janeiro entre 2013 e 2014. Os protestos iniciados em decorrência da luta contra o aumento das tarifas dos transportes, que culminaram com manifestações por todo o país que levaram pelo menos centenas de milhares de pessoas às ruas, prosseguiram no Rio ao longo do ano seguinte. As passeatas contestavam o modo como a Copa do Mundo de futebol estava sendo realizada no Brasil. Mesmo reunindo menos gente do que naquelas intensas duas semanas de junho de 2013, os protestos passaram a fazer parte do cotidiano da cidade e colocaram o então governador Sérgio Cabral Filho (PMDB) em situação difícil, contribuindo para a crescente impopularidade do governante, que dois anos mais tarde acabaria preso.
Aos atos nas ruas que expuseram a máfia dos transportes e o esquema de aumentos de tarifas envolvendo autoridades públicas, sucederam-se denúncias de remoções de comunidades pobres (Aldeia Maracanã, Vila Autódromo, Metrô Mangueira) e de superfaturamentos e irregularidades nas obras da Copa do Mundo. Esse movimento atingiu duramente Sérgio Cabral e a cúpula do então PMDB, hoje MDB. É o que afirma carta de apoio preparada pelas Assembleias Populares da Cinelândia e do Largo do Machado – forma de organização, aliás, nascida dos protestos de junho de 2013.
A condenação dos ativistas de 2013 reforça o ambiente de criminalização dos movimentos sociais e da pobreza que avança no país. Antes destes, desde 2013 o catador de materiais recicláveis Rafael Braga Vieira – o único preso político das ‘Jornadas de Junho’ até então. Detido no dia 20 de junho daquele ano, Rafael hoje cumpre prisão domiciliar porque está em tratamento contra tuberculose, adquirida no cárcere.
Quando foi preso, a justificativa dos policiais adotada também pelo Ministério Público foi de que o jovem negro e pobre andava nas ruas do Centro do Rio, onde um protesto era duramente reprimido, com uma sacola na qual havia um vidro de desinfetante e outro de alvejante.
A campanha por sua libertação criou um site no qual a história é contada resumidamente (veja aqui). Condenado em 2013 por “porte de material explosivo” (Pinho Sol e água sanitária), Rafael estava em progressão de regime quando foi novamente preso por se deixar fotografar em frente a um grafite que criticava a seletividade penal do Estado brasileiro. Em 2016, abordado novamente por PMs na comunidade onde morava com a mãe, foi mais uma vez preso, no que vem sendo apontado desde então como flagrante forjado, que lhe atribuiu o porte de 0,6 gramas de maconha e 9,6 gramas de cocaína. Mesmo assim, foi condenado a 11 anos de prisão, tendo como principal prova os depoimentos dos policiais que o detiveram.
Durante a coletiva, Rafael foi lembrado várias vezes por diversos dos 23 condenados.
A diretoria do Sintrajud apoia as campanhas pela absolvição dos 23 do Rio de Janeiro e pela absolvição e liberdade definitiva ao jovem Rafael Braga.
Colaborou: Luciana Araujo