Câmara congela salários de servidores até 2022


05/05/2020 - Helcio Duarte Filho
Projeto costurado junto com o governo Bolsonaro prevê 18 meses de congelamento e proíbe ampliação de serviços públicos até na saúde.

Votação do PLP 39/2020, ressalvados os destaques (crédito: Najara Araújo/Agência Câmara).

 

No dia em que o país bateu novo recorde de mortes pelo coronavírus, com 600 óbitos, deputados federais aprovaram projeto de lei que desvaloriza os serviços públicos e proíbe a sua ampliação, inclusive em áreas que possam combater a pandemia, como a saúde. União, estados e municípios ficam impedidos até 31 de dezembro de 2021 não só de conceder reajustes salariais para o funcionalismo, como de criar novos cargos para contratar até mesmo médicos e enfermeiros.

O PLP 39/2020 determina o congelamento de salários e benefícios, além de criar uma série de entraves para evolução nas carreiras, para servidores federais, estaduais e municipais por 18 meses. O projeto trata de compensações financeiras a estados e municípios por parte da União para cobrir parte das perdas decorrentes da queda na receita em razão da pandemia. A versão atual do projeto tem o apoio do governo Jair Bolsonaro. O texto, aprovado na noite da terça-feira (5), teve algumas alterações e voltará ao Senado. Servidores da área de educação foram excluídos do congelamento, assim como da saúde, segurança pública e Forças Armadas, que já estavam no texto aprovado no Senado.

Na avaliação de dirigentes sindicais do Sintrajud, a pandemia está sendo usada como desculpa para a aplicação de projetos e políticas que retiram direitos da classe trabalhadora como um todo e do funcionalismo especificamente. “O que está sendo colocado na mídia pelo governo e pelo Congresso é que esse congelamento por 18 meses seria apenas a cota de sacrifício do funcionalismo nesse período. Mas na verdade escondem o fato de que a política salarial permanente para os servidores é de arrocho: a data-base é descumprida, a revisão geral é sistematicamente descumprida. Não é uma cota de sacrifício pontual agora, que ainda que fosse seria questionável, mas é o prolongamento de uma política salarial permanente de arrocho sobre o funcionalismo. É uma tentativa de [usar a pandemia] para aprofundar essa política”, critica o servidor Tarcisio Ferreira, da direção do Sintrajud.

Corroborou com essa preocupação, aliás, o discurso do deputado federal Rodrigo Maia (DEM/RJ) durante a apreciação do projeto. O presidente da Câmara foi à tribuna falar e deixou evidente que a sua posição vai além do congelamento nesse período. Disse que, a depender dele, em algum momento próximo mais medidas vão ter que ser tomadas. “É um pequeno gesto, nós não estamos cortando salário. Todos sabem a minha posição, num debate futuro nós vamos ter que repactuar o Estado brasileiro. As receitas vão cair muito e também o lucro das empresas, não tem milagre a ser feito”, disse Rodrigo Maia, que desde o ano passado vem defendendo a redução dos salários dos servidores.

Votação

O texto-base foi aprovado com votos de todos os partidos, com exceção do PSOL, que votou contra. Em seguida, praticamente toda a oposição ao governo Bolsonaro votou, na apreciação dos destaques, pela exclusão do congelamento salarial e das novas restrições aos serviços públicos. Os artigos 7º e 8º do PLP 39 são os que preveem as medidas que proíbem reajustes e quaisquer concessões de benefícios ou direitos que resultem em aumento de despesas com pessoal.

O artigo 8º refere-se ao congelamento até 31 de dezembro de 2021. Já o artigo 7º fixa novas regras permanentes que atingem os servidores públicos e que nitidamente têm o objetivo de dificultar possíveis reajustes salariais e concessões de benefícios mesmo após 2021. Entre elas, a proibição de parcelamentos que passem de uma gestão para outra. Todos os últimos reajustes e reestruturações de planos de cargos do Judiciário Federal e do MPU foram parcelados. Algo parecido ocorreu com os demais segmentos do funcionalismo público federal. Destaque apresentado pelo PSB pela exclusão deste artigo foi derrotado, por 333 votos a 133. Outro destaque – de autoria do PT, subscrito por vários partidos da oposição – propôs a derrubada do artigo 8º, do congelamento salarial. O tema foi o mais controverso e que mobilizou mais intervenções de lideranças partidárias. Mas, ao final, o ataque ao funcionalismo foi aprovado, com a derrota do destaque por 272 a 206 votos, com uma abstenção.

O relatório aprovado no Senado  já previa algumas exceções de categorias não incluídas no congelamento, embora não represente quaisquer garantias de reajuste para nenhum setor. Na Câmara, uma emenda inseriu no sexto parágrafo do oitavo artigo o seguinte: “O disposto nos incisos I e IX do caput deste artigo [referente ao congelamento] não se aplica aos servidores públicos civis e militares mencionados nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, inclusive policiais legislativos, técnicos e peritos criminais, aos agentes socioeducativos, aos profissionais de limpeza urbana e de assistência social, aos trabalhadores da educação pública e aos profissionais de saúde da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e fica proibido o uso dos recursos da União transferidos a Estados e Municípios, nos termos desta Lei Complementar, para concessão de aumento de remuneração de pessoal a qualquer título.”

Tramitação

O projeto havia sido aprovado inicialmente na Câmara dos Deputados, como PL 149/2019. No Senado, porém, esse texto foi arquivado e um novo projeto apresentado, o PLP 39. É ali que o congelamento de salários do funcionalismo foi introduzido na proposta, que obteve o voto de 79 senadores – apenas o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP) votou contra. Votaram contra os servidores os seguintes partidos: MDB, PT, PP, PSD, PROS, PSDB, DEM, Podemos, PSB, REDE (Fabiano Contarato/ES e Flávio Arns/PR), Cidadania, PDT, PSL, PL, PSC, PP, Republicanos. O PSOL não possui representação no Senado.

Logo após a votação, o PT disse, em nota, que defende os servidores e que um destaque que excluía o congelamento foi apresentado pelo Cidadania, mas acabou sendo retirado. Por isso, diz o texto, optou por atender a outra solicitação dos governadores ao apresentar a sua proposta de emenda. Na Câmara, o PT votou a favor do texto-base e apresentou o destaque, rejeitado, que excluía o congelamento. Seja como for, a votação no Senado Federal foi decisiva para transformar os servidores públicos na moeda de ‘contrapartida’ para a aprovação da ajuda a estados e municípios – orçada em R$ 120 bilhões.

Ao mesmo tempo, o Congresso Nacional discute aprovar a proposta de emenda constitucional (PEC) 10/2020, que pode render aos bancos até R$ 1,2 trilhão vindos diretamente dos cofres públicos, via compra de títulos “podres” da dívida pública.

O texto original do projeto que resultou aprovado na Câmara dos Deputados teve origem em 2019, encaminhado pelo Executivo ao parlamento. Desde o início da retomada dos debates o Sintrajud atuou contra a aprovação da proposta,  convocando a categoria a pressionar os deputados e senadores. Milhares de mensagens foram enviadas aos parlamentares. A luta continuará na volta do texto ao Senado e será preciso intensificá-la e denunciar aqueles que votaram a favor de mais esse ataque.

*Atualizada às 16h de 6/5/2020

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