Áudios que revelam mentira presidencial vazam à véspera da apresentação da PEC da Previdência


20/02/2019 - Luciana Araujo

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ) recebe, com ar de incredulidade, a proposta de emenda constitucional sobre a Previdência das mãos do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). Imagem: Luís Macedo/Agência Câmara.

Na véspera do dia em que falará em cadeia nacional para tentar convencer o trabalhador brasileiro da necessidade de abrir mão de direitos e apoiar a ‘reforma’ da Previdência, áudios divulgados pela revista “Veja” mostraram que o presidente Jair Bolsonaro mentiu ao país ao afirmar que não conversara com o então ministro Gustavo Bebianno no dia em que explodiu a crise desencadeada pelas denúncias de candidatos laranjas no PSL (partido dos dois).

Ao falar para os brasileiros sobre a mais impopular das reformas, a da Previdência, na noite desta quarta-feira (20), Bolsonaro tentará convencer os trabalhadores a aceitar três coisas: 1) Que existe um déficit bilionário na Previdência Social, que se tornará insustentável sem as mudanças; 2) Que essas mudanças são para buscar igualdade e justiça social; 3) Que a reforma da Previdência é indispensável para que o país volte a crescer.

Todas essas afirmações, porém, são contestadas por setores dos movimentos sindicais e sociais que se opõem às reformas. Também são alvos de pesquisas e estudos que questionam os números do governo, apontados como manipulados e irreais. Os movimentos sindicais e sociais, aliás, realizaram nesta quarta-feira (20), enquanto o presidente entregava a proposta de emenda constitucional ao Congresso Nacional, manifestações em quase todas as capitais do país e um ato nacional em São Paulo, na Praça da Sé.

O PSL e as laranjas

O partido do presidente, o PSL, está enrolado nas cascas de laranja desde que o jornal ‘Folha de S.Paulo’ divulgou o provável esquema de “falsas” candidaturas: em um só caso, uma concorrente a deputada estadual por Pernambuco, Maria de Lurdes Paixão, que recebera apenas 274 votos, ficou com R$ 400 mil do fundo partidário, financiado com dinheiro público. Gastou quase tudo, às vésperas da eleição, numa gráfica com forte cheiro de fantasma.

A revelação do suposto esquema deu origem à primeira grande crise do governo antes mesmo da gestão completar dois meses de vida. Associado ao esquema por presidir o partido à época, o então ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria da Casa Civil, um dos mais próximos do presidente, disse em entrevista ao jornal ‘Folha de S.Paulo’ que naquele dia, 12 de fevereiro, falara três vezes com Jair Bolsonaro, ainda internado no hospital Albert Einstein. A intenção, evidente, era afastar os rumores de que estaria demissionário.

Ato contínuo, um dos filhos do presidente, o vereador no Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, publicou em sua conta no Twitter que estivera naquele dia 24 horas com o pai e podia atestar que ele não conversara com Bebianno, a quem chamou de mentiroso. “É uma mentira absoluta de Gustavo Bebianno que ontem teria falado 3 vezes com Jair Bolsonaro para tratar do assunto citado pelo Globo e retransmitido pelo Antagonista”, escreveu. A grave acusação – é sempre grave alguém que ocupe cargo público no primeiro escalão ser pego por mentiroso – foi compartilhada por Bolsonaro, que avalizou a afirmação do filho e, mais tarde, já fora do hospital, disse a uma rede de TV que não falara com Bebianno após a divulgação do caso dos supostos laranjas.

Os áudios que a “Veja” divulgou na tarde da terça-feira (19) mostram que quem estava mentindo sobre o caso eram pai e filho: são conversas no aplicativo WhatsApp nas quais é possível constatar que, de fato, por três vezes Bolsonaro mandara áudios para Bebianno naquele dia.

Os áudios foram divulgados somente após confirmada a demissão do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, embora fosse de conhecimento público, alguns dias antes, que a revista possuía o material. A conclusão inevitável é que alguma combinação havia entre “Veja” e personagens envolvidos no caso.

É chamuscado por esse episódio, no qual um presidente da República é pego mentindo em um comunicado público à nação – afinal, o Twitter é o principal canal de declarações deste presidente -, que Bolsonaro irá à TV para tentar uma conversa ‘franca’ e honesta com a população sobre a Previdência Social. Provavelmente não falará – ou minimizará – sobre a dívida de quase R$ 500 bilhões que os empresários têm com a Previdência Social.

Embora não precise mais dos votos dos eleitores para aprovar emendas constitucionais, o presidente sabe o quanto mais difícil fica aprovar a reforma caso ela se mantenha tão impopular e rejeitada quanto nos últimos dois anos. Por isso, o capitão reformado do Exército usará o seu prestígio político com parcela da população para tentar convencer os brasileiros a trabalhar até os 65 anos, se aposentar alguns bons anos mais tarde para receber menos e usufruir por pouco tempo do benefício para o qual contribuiu por até 40 anos de sua vida. E esquecer dos planos futuros para a vida de aposentado e, claro, das laranjas.

Leia abaixo a transcrição dos áudios de Bolsonaro para Bebianno

Bolsonaro – “Gustavo, o que eu acho desse cara da Globo dentro do Palácio do Planalto: eu não quero ele aí dentro. Qual a mensagem que vai dar para as outras emissoras? Que nós estamos se aproximando da Globo. Então não dá para ter esse tipo de relacionamento. Agora… Inimigo passivo, sim. Agora… Trazer o inimigo para dentro de casa é outra história. Pô, cê tem que ter essa visão, pelo amor de Deus, cara. Fica complicado a gente ter um relacionamento legal dessa forma porque cê tá trazendo o maior cara que me ferrou – antes, durante, agora e após a campanha – para dentro de casa. Me desculpa. Como presidente da República: cancela, não quero esse cara aí dentro, ponto final. Um abraço aí.”

Bolsonaro – “Gustavo, uma pergunta: “Jair Bolsonaro decidiu enviar para a Amazônia”? Não tô entendendo. Quem tá patrocinando essa ida para a Amazônia? Quem tá sendo o cabeça dessa viagem à Amazônia? Um abraço aí, Gustavo, até mais.”

Bolsonaro – “Ô, Bebianno. Essa missão não vai ser realizada. Conversei com o Ricardo Salles. Ele tava chateado que tinha muita coisa para fazer e está entendendo como missão minha. Conversei com a Damares. A mesma coisa. Agora: eu não quero que vocês viajem porque… Vocês criam a expectativa de uma obra. Daí vai ficar o povo todo me cobrando. Isso pode ser feito quando nós acharmos que vai ter recurso, o orçamento é nosso, vai ser aprovado etc. Então essa viagem não se realizará, tá OK? Um abraço aí, Gustavo!”

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