Ato indígena em Brasília é atacado por bombas pelas polícias Militar do DF e Legislativa


22/06/2021 - Luciana Araujo
Povos originários organizam 'Levante pela Terra' na capital federal contra a votação de projetos que atacam direitos históricos; Sintrajud apoia a mobilização.

Manifestação indígena em Braasília (crédito: Scarlett Rocha/APIB).

As polícias Militar do Distrito Federal e Legislativa, do Congresso Nacional, utilizaram bombas de gás lacrimogênio e os chamados explosivos de “efeito moral” (que provocam ferimentos graves embora sejam considerados de baixa letalidade) contra manifestação indígena realizada neste dia 22 em frente ao Anexo 2 da Câmara dos Deputados.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e parlamentares de oposição ao governo Bolsonaro, que durante a campanha prometeu “não demarcar nem um centímetro a mais para terras indígenas”, divulgaram imagens da repressão violenta e de manifestantes feridos. A Apib informa ainda que dois indígenas precisaram ser hospitalizados em razão dos ferimentos.

Acampados desde o dia 7 de junho em Brasília, na mobilização denominada #LevantePelaTerra, diversos povos exigem o arquivamento do projeto de lei 490/200, que submete a demarcação de terras indígenas ao Congresso Nacional, integrado hoje por ao menos 257 ruralistas, segundo levantamento realizado pela organização não governamental De Olho nos Ruralistas. Os povos originários – descendentes das etnias que viviam antes da colonização portuguesa no território que constituiu o Brasil- também reivindicam que o Supremo Tribunal Federal respeite o artigo 231 da Constituição Federal e o direito às terras indígenas, rejeitando o Recurso Extraordinário 1.017.365.

Outros cinco projetos que afetam as populações indígenas são denunciados na jornada de mobilizações (veja aqui). O Sintrajud apóia a luta e contribuiu com uma caravana de nações que vivem em São Paulo para participar dos atos, que devem continuar até o próximo dia 30.

Marco temporal

Entre os temas que levaram povos originários de todo o território nacional a Brasília, está o debate do marco temporal. Em discussão no Supremo Tribunal Federal, o Recurso Extraordinário 1.017.365 foi impetrado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em processo movido pelo governo de Santa Catarina, contra decisão da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que negou ao estado o estabelecimento de parque ecológico sobre territórios constitucionalmente declarados dos povos Xokleng, Guarani e Kaingang, na terra indígena Ibirama-Laklanõ.

O presidente da Suprema Corte, ministro Luiz Fux, recebeu de lideranças da Apib, também neste dia 22, documento que pede que o STF vote favoravelmente aos povos originários (leia aqui). O julgamento tem repercussão geral e seu resultado pode afetar todas as nações sobreviventes no país.

O documento entregue a Fux informa que no país “existem atualmente 305 povos indígenas, falando mais de 274
línguas e 114 povos indígenas isolados e de recente contato, habitando 1.298 terras indígenas, sendo 408 homologadas e 829 em processo de regularização e/ou reivindicadas.”

A manifestação da Apib destaca ainda que desde 2019 o governo federal paralisou a demarcação de territórios e que “com o desmantelamento das políticas indigenistas enfrentadas nos últimos anos, a exemplo do Parecer AGU 001/2017 – suspenso por meio de decisão cautelar do eminente Min. Edson Fachin – coloca-se sob risco a garantia do direito ao território, consagrado, declarado e afirmado pela Assembleia Nacional Constituinte.”

O julgamento ocorre no plenário virtual do Supremo, e após voto contrário à tese da União apresentado pelo ministro Edson Fachin, no último dia 11, foi suspenso sem data para ser retomado. O ministro Alexandre de Moraes pediu destaque ao processo, o que deve levar a questão ao plenário telepresencial ou presencial, caso o julgamento volte à pauta após a pandemia do novo coronavírus.

A tese do marco temporal diz que os indígenas só teriam direito aos territórios já demarcados em 5 de outubro de 1988, quando entrou em vigor a Constituição Federal, desconsiderando que a colonização retirou povos de suas áreas históricas de sobrevivência e relação com a terra e o meio-ambiente.

Demarcações

Já o PL 490/2007, do ex-deputado Homero Pereira, é denunciado pelos povos indígenas por suprimir o direito de posse sobre os territórios historicamente ocupados, permitir atividades como a mineração e loteamentos nas terras indígenas e desobedecer a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que prevê o direito de comunidades atingidas serem consultadas sobre empreendimentos promovidos pelo estado. O governo brasileiro defende o estabelecimento de bases militares, estradas, portos e hidrelétricas em territórios indígenas e apresentou ao Congresso Nacional o PL 191/2020, que legaliza tais atividades nessas áreas.

Outra questão, no âmbito da saúde pública, denunciada pelos indígenas, é que a propositura ameaça a preservação de povos isolados. Essas nações têm menor resistência a doenças como a covid-19, gripes e tuberculose.  A Apib realiza uma campanha de envio de e-mails aos membros da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa, onde a proposição que tramita em caráter conclusivo está. Se aprovada na CCJ e na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o texto vai direto ao Senado sem passar pelo plenário.

Homero Pereira estava no PR (Partido Republicano) quando apresentou o PL 490. Em 2013, faleceu, já no PSD, enquanto cumpria o segundo mandato federal. Ruralista, foi presidente do Sindicato Rural de Alto Araguaia (MT) e da Federação da Agricultura do Estado de MT, e vice-presidente da Confederação Nacional da Agricultura.

* Com informações da Apib, do CIMI, do STF, da FGV e da Câmara dos Deputados.

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