Ataques de Bolsonaro à Justiça Eleitoral já resultam em ameaças contra servidores


20/08/2021 - Hélio Batista Barboza
Mensagens de WhatsApp, pichações e faixas antecipam clima tenso das eleições de 2022; categoria cobra medidas de segurança.

Faixa colocada no cartório eleitoral de Bebedouro, no interior de SP. (Fonte: redes sociais)

Ao colar um cartaz de orientação ao público na porta do cartório eleitoral onde trabalha, em Ermelino Matarazzo (zona leste de São Paulo), uma servidora foi ofendida por uma mulher que passava. O episódio aconteceu há poucos dias e não é um caso isolado.

A pregação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de seus apoiadores em defesa do voto impresso colocou em alerta os servidores da Justiça Eleitoral. Mensagens ameaçadoras em grupos de WhatsApp, pichações e faixas colocadas próximas a cartórios eleitorais surgiram como nuvens que prenunciam a tempestade que pode desabar sobre o próximo pleito.

Em requerimento protocolado no TRE no dia 12 de agosto, o Sintrajud pediu informações sobre os ataques às unidades da Justiça Eleitoral e sobre as providências do Tribunal para garantir a segurança dos servidores.

Além de uma campanha mais incisiva do TSE para se contrapor às acusações de fraude e às suspeitas contra o sistema de votação, os servidores defendem que o TRE reforce a vigilância dos cartórios, com o uso de câmeras, por exemplo.

O episódio em Ermelino Matarazzo foi flagrado por uma câmera instalada no local pelo chefe do cartório, Lutemberg Souza, um dos fundadores do Sintrajud. Ele pagou do próprio bolso o equipamento depois que uma servidora foi agredida verbalmente em 2019.

No ano anterior, os servidores da Justiça Eleitoral já haviam sentido o impacto das fake news e do questionamento bolsonarista à votação eletrônica durante a eleição presidencial. Durante a disputa no segundo turno, foram informados ao Sindicato diversos episódios de violência política contra trabalhadores do Judiciário. Desde então, eles viram o clima piorar com o discurso de Bolsonaro contra os serviços públicos e os servidores, a proposta de ‘reforma’ administrativa (PEC 32/2020) e as reiteradas ameaças golpistas.

Em live no dia 29 de julho, Bolsonaro admitiu não ter provas de fraude, mas insistiu em questionar o sistema de votação. (Foto: Reprodução TV Brasil)

“Irracionalidade”

À medida que se aproxima a campanha eleitoral, Bolsonaro sobe o tom de seus ataques e aumenta o risco para os servidores. “O discurso está indo além da questão das urnas eletrônicas”, aponta Lutemberg. “Estão questionando a utilidade da Justiça Eleitoral, com a agravante de que isso vai se tornando um discurso cada vez mais popular, por causa de Bolsonaro.”

O presidente da República fez ameaças ao presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, e disse que as eleições de 2022 poderiam não ocorrer se não forem “limpas e democráticas”.

Ao longo do mês de julho, ele repetiu pelo menos sete vezes que o pleito não aconteceria se a PEC do voto impresso não fosse aprovada pelo Congresso. “Se esse método continuar aí, sem a contagem pública, eles vão ter problemas. Porque algum lado pode não aceitar o resultado, e esse algum lado obviamente é o nosso lado”, disse, numa entrevista à Rádio Guaíba.

“Bolsonaro tem uma capacidade muito grande de mobilizar a irracionalidade. Ele atira na questão das urnas eletrônicas para criar uma cortina de fumaça e encobrir sua incompetência em relação às vacinas”, constata o servidor do TRE e diretor de base do Sintrajud Elizaldo Veríssimo (Ely). “O efeito colateral foi as pessoas fazerem uma ligação direta entre a Justiça Eleitoral e a ‘injustiça’ que Bolsonaro estaria sofrendo.”

Mensagem que circulou em grupos de WhatsApp de servidores dos cartórios

As falas do presidente não demoraram a produzir efeito. Uma mensagem de WhatsApp encaminhada para grupos de servidores requisitados dos cartórios eleitorais e de chefes de cartório convocava as pessoas a “tocar o terror” e “surrar” juízes eleitorais e “diretores (sic) de cartórios”. Uma faixa em defesa do voto impresso foi colocada na frente de um cartório eleitoral de Bebedouro, no interior do estado, e a foto também se espalhou em grupos de WhatsApp.

“Isso deixou o ambiente tenso; é claro que os servidores que trabalham comigo estão assustados”, revelou o chefe de cartório de outra cidade do interior paulista, que preferiu não se identificar. Ele conversou com o juiz eleitoral do município, que por sua vez entrou em contato com a prefeitura. Disso resultou a instalação de uma câmera de vigilância na praça em frente ao cartório.

“Não vejo ameaça na minha cidade, mas tudo vai depender do que esse grupo do Bolsonaro vai orquestrar até as eleições; nosso medo maior é esse”, afirma o servidor. “Em grupos de chefes de cartório conversamos sobre a possibilidade de essa situação piorar nas eleições. Temos medo do comportamento de eleitores mal-intencionados, que vêm causar tumulto dentro das seções.”

“Parasitas”

Para os servidores ouvidos pela reportagem, está claro que o objetivo do presidente é tumultuar as eleições. “Talvez o maior absurdo das acusações do Bolsonaro seja dizer que houve fraude e que tinha provas disso, mas ‘desdizer’ na live dele”, opina Lutemberg Souza.

Em 29 de julho, o presidente transmitiu uma live em que admitiu não ter provas de fraude nas eleições, mas apresentou o que chamou de “indícios”: reportagens antigas sobre denúncias de fraude, que já haviam sido desmentidas. Ele afirmou ainda que o código-fonte de uma urna eletrônica havia sido acessado – informação que consta de inquérito sigiloso da Polícia Federal.

Lutemberg explica, porém, que não há relação entre o acesso ao código-fonte e a integridade das urnas. “Os programas são assinados digitalmente e não admitem mudança. Se houver alteração, não funcionam”, afirma. “Quando recebemos pela rede interna os programas para inseminar as urnas, somos obrigados a auditá-los e permitimos que algumas instituições também o façam, como a OAB e o Ministério Público. Ou seja, para acontecer alguma coisa, precisaria haver uma rede de enganos muito grande.”

Os servidores consideram que o TSE demorou para responder aos ataques de Bolsonaro e que agora se tornaram um dos alvos preferenciais dos apoiadores do presidente. “As pessoas vão atacar o que está mais próximo, os servidores da Justiça Eleitoral, não só os prédios”, prevê o diretor de base Elizaldo Veríssimo.

Com a proposta de ‘reforma’ administrativa embalada pelo discurso de que o funcionalismo público é privilegiado, a incitação bolsonarista ganha mais um argumento.

“Da maneira como a reforma está sendo apresentada, com o [Paulo] Guedes falando que somos parasitas, que vai colocar uma granada no nosso bolso, que somos responsáveis pelo déficit na Previdência, etc., viemos sofrendo uma campanha de depreciação durante todo esse tempo”, diz o chefe de cartório do interior paulista, que preferiu o anonimato. “Seremos apontados na eleição não só como funcionários que alteram votos e manipulam urnas eletrônicas, mas também como os parasitas que o eleitor sustenta”.

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