Artigo: Um olhar para a saúde no judiciário neste 28 de Abril


28/04/2018 - Luciana Araujo

Por Daniel de Luca*

O 28 de Abril, dia mundial em memória as vítimas de acidentes e adoecimento relacionados ao trabalho, faz referência a uma explosão ocorrida em uma mina nos EUA, no ano de 1969, e se propõe a ser um dia para dar visibilidade ao tema e caminhar no sentido de criar, fortalecer e ampliar as ações voltadas a combater os acidentes e também os adoecimentos relacionados ao mundo do trabalho.

Atualmente, no Brasil, o debate começa a se ampliar de forma a propor não apenas uma data, mas um mês de debates e ações: o Abril Verde.

Dados do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, apontam que só em 2017 foram quase duas mil mortes apenas de acidentes de trabalho, e mais 500 mil Comunicados de Acidentes de Trabalho (CAT) abertos.

Em um primeiro olhar, o número de mortes pode parecer um progresso, visto que apresenta queda em comparação a anos anteriores. Porém, é fundamental lembrar que a cada ano cresce a precarização dos vínculos do trabalho – terceirização, “pejotização” e “uberização”, microempreendedorismo individual, etc. E nestas condições os acidentes e adoecimentos do trabalho quase nunca são notificados. Isto é, provavelmente não está diminuindo o número de acidentes, mas apenas as notificações deles.

Com a aprovação da reforma trabalhista, tende a aumentar o número de adoecimentos e acidentes, e a diminuir a capacidade do Estado e orgãos de fiscalização obterem dados sobre os que ocorrem.

Os acidentes do trabalho são um problema grave no Brasil e no mundo, e esta data é uma ocasião importante para visibilizarmos isso e pressionarmos por políticas mais efetivas nesta área.

No âmbito do Judiciário Federal felizmente são raros os acidentes. Entretanto não é possível dizer o mesmo quanto aos adoecimentos relacionados ao trabalho.

Em palestra realizada em 2017 pelo Conselho Superior de Justiça do Trabalho (CSJT), o psiquiatra e psicanalista francês, Cristophe Dejours, um dos principais pesquisadores sobre adoecimento mental e trabalho, discorreu sobre a saúde mental e a organização das atividades no Judiciário. O pesquisador apontou forte correlação entre os adoecimentos e o que ele chamou de New Public Management, uma forma de gestão do serviço público que se disseminou mundialmente nos anos 1990 como parte das políticas neoliberais.

Esta forma de gestão busca adotar no âmbito das instituições públicas, princípios da gestão privada, visando alcançar mais eficiência e produtividade. Dejours aponta que esta nova forma de gerenciamento se pauta na rigidez vertical das formas de trabalho, gerando uma forma de organização do trabalho negativa à saúde dos servidores.

O especialista ressalta ainda que a pressão por produtividade e a falta de espaços de cooperação – marcas desta forma de gestão – levam trabalhadores a lançarem mão de pequenas estratégias de “trapaça” [sic] para conseguirem lidar com a alta demanda de trabalho, cometendo pequenas burlas de regras cotidianamente, sem as quais dificilmente dariam conta das tarefas. Essas “trapaças”, apesar de fazê-los atingir os objetivos do trabalho, geram sentimentos de frustração, pois se apresentam como a negação do sentido de seu trabalho. É a contradição de ter de descumprir as regras para fazer justiça/fazer cumprir as regras.

Este sentimento, por sua vez, tende a se expressar em forma de agressividade e, quando proveniente de juízes e pessoas com cargos de chefia, podem tomar a forma de práticas de assédio moral.

O assédio moral

Na pesquisa realizada pelo Sintrajud em 2007, 85% dos entrevistados apontaram que existia assédio moral no judiciário e 76% diziam já ter presenciado situações do tipo.

Outra pesquisa, realizada em 2017 pelo Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no RS, o Sintrajufe, aponta que “82,7% da categoria sofreram atos negativos sugestivos de assédio moral em algum grau, mesmo que eventualmente; 17% da categoria sofre assédio semanal ou diário; 65,6% sofrem situação de assédio mensal ou de vez em quando”.

Ademais, para além das informações coletadas em pesquisas, são comuns e recorrentes os relatos de trabalhadores que sofreram ou presenciaram tais práticas no Judiciário. A existência desta agressão psicológica no Judiciário é flagrante. Nesse sentido, é inevitável a pergunta: o que as administrações têm feito efetivamente para enfrentar o assédio moral?

É inaceitável que as pesquisas e campanhas sobre o assunto sejam encampadas apenas pelos sindicatos. A gestão precisa encarar de frente o problema, que provavelmente está entre as principais causas de adoecimentos e afastamentos no Judiciário. Porém, assédio moral não é o único problema.

PJe e a saúde dos servidores

Utilizar da tecnologia para buscar dar mais celeridade ao trabalho do Judiciário obviamente é algo positivo e importante. Porém, como qualquer alteração na organização do trabalho, merece um estudo aprofundado sobre os impactos na saúde dos trabalhadores.

No âmbito científico, e mesmo para além dele, já é ponto pacífico que as longas jornadas de trabalho em frente ao computador representam um risco de adoecimento. Dentre as possíveis consequências estão aquelas relacionadas ao sistema músculo-esquelético, mas também aos olhos e ao sistema cognitivo. Os esforços repetitivos e posições estáticas podem contribuir para gerar lesões musculares, as chamadas Lesões por Esforço Repetitivo (LER). Essas enfermidades, se não diagnosticadas e tratadas a tempo, podem gerar quadros de dores crônicas, que podem acompanhar o trabalhador para o resto de sua vida. Em casos extremos, pode levar à invalidez para o trabalho.

O esforço cognitivo pela falta de variação da tarefa e o sentimento de “enxugar gelo” (crítica manifesta por alguns usuários internos do PJe) também podem contribuir para gerar quadros de fadiga mental.

A legislação federal, por meio da Norma Regulamentadora nº 17, que trata de ergonomia, aponta um conjunto de adequações necessárias para esse tipo de trabalho, incluindo modificações no mobiliário, mas também pausas de 10 minutos a cada 50 minutos trabalhados.

As pausas são fundamentais para prevenir LER, reduzir os sintomas oculares e também a fadiga mental. A pesquisa supracitada realizada no Rio Grande do Sul aponta que servidores que realizam mais pausas tendem a ter menos queixas de dor osteomuscular, assim como menos sintomas de ordem psicológica. Porém, a realização ou não das pausas acaba ficando a cargo de cada servidor (muitas vezes impossibilitado de fazê-las devido à pressão e incompreensão por parte de superiores, colegas e jurisdicionados). Para se efetivarem, as pausas precisam de uma política interna dos tribunais, apoiando, incentivando e dando meios para facilitar sua realização. Porém poucos locais que implementaram o PJe tomaram ações nesta direção.

É fundamental que os tribunais tenham uma atenção redobrada à saúde dos servidores nesse período de implementação. A realidade insta construir espaços de diálogo para poder identificar todas as características do trabalho com o sistema eletrônico que tenham potencial de adoecimento e, de forma conjunta, elaborar alternativas.

Há saídas?

A situação não é simples e sua solução também não. Porém, há diversas mudanças possíveis no trabalho que podem contribuir, em larga medida, para proteger e promover a saúde no âmbito do Judiciário. Seguem algumas ideias, como sugestões, para serem debatidas na categoria e no Judiciário como um todo.

As pausas são um primeiro exemplo de mudança que podem ter diversas consequências positivas. A contratação via concurso público de mais servidores é também uma medida urgente, atuando na redução da sobrecarga de trabalho.

Dejours propõe que no lugar da New Public Management, estabeleçamos uma gestão de cooperação e diálogo. Essa política administrativa dialogada, ao invés de avaliar individualmente os trabalhadores e a partir de resultados numéricos, teria por base considerar o esforço e recursos empregados na solução das tarefas, e não apenas o resultado quantificável. Além de, no lugar da competição, propor formas coletivas de solução dos problemas.

Ademais, um trabalho sério e profundo deve ser feito no que se refere à função de chefia/liderança no Judiciário. Primeiramente, a seleção de servidores para exercer tais funções é um processo de grande importância, não podendo ser relegado total e unicamente à descricionaridade de juízes. Exercer eficazmente uma função de liderança demanda certas habilidades, conhecimentos e experiências. Estar nessa função sem ter a habilidade o treinamento necessário pode afetar profundamente o bom andamento do trabalho, prejudicando a produtividade e a saúde dos servidores. Além de habilidades e conhecimentos técnicos e de caráter mais administrativos, é fundamental que a chefia possua competências relacionadas à liderança, à forma de guiar os trabalhadores na solução do trabalho, sabendo passar conhecimento, lidar com dificuldades, motivar, orientar, etc.

Uma nova política para a seleção e desenvolvimento de lideranças pode contribuir largamente para redução dos casos de assédio moral.

A experiência do Comitê Gestor Local de Atenção Integral à Saúde do TRT da 3ª Região (Minas Gerais) é interessante. Contando com representação dos trabalhadores, o comitê elabora e implementa ações voltadas à saúde dos servidores.

Ademais, a partir de 2010, está regulamentada a possibilidade de criação de Comissão Interna de Saúde do Servidore Público (CISSP), orgão análogo à CIPA existente no âmbito das instituições privadas. Se efetivas, as CISSP podem se tornar espaços de elaboração e pressão por ações voltadas à saúde dos servidores. Relevante salientar, contudo, que comissões e grupos de trabalho coordenados pelas administrações têm limites e, dependendo da situação, a participação dos trabalhadores pode ser usada apenas como legitimação de uma política de saúde que não atua no cerne da questão, mantendo-se superficial.

Para criação de ações em saúde do trabalhador são fundamentais informações sobre o trabalho e o adoecimento. Dessa forma, dois elementos são importantes. Um deles é a realização periódica de pesquisas junto aos servidores, avaliando saúde mental, presença de assédio moral, condições de trabalho, entre outros aspectos. O outro ponto importante é o acesso a informações relacionadas à saúde ocupacional e riscos ambientais do local de trabalho. As normas regulamentadoras nº7 e nº9 são dispositivos legais que obrigam a realização dos Programas de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO) e Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) por todos estabelecimentos que contratam trabalhadores – privados ou públicos.

Esses programas resultam em relatórios que incluem quantidade de afastamentos e adoecimentos mais comuns, como também, a quais riscos estão expostos os trabalhadores de determinado local de trabalho, dentre outras informações. Os trabalhadores do Judiciário têm o direito de ter acesso a essas informações referentes a sua saúde. Desde 2016, o Sintrajud faz requerimentos aos tribunais solicitando tais informações, porém, até o momento, apenas o TRE atendeu ao pedido.

Por fim, é fundamental que toda a categoria esteja atenta a essas questões, converse sobre o assunto, leia, discuta e busque construir coletivamente uma saída para os problemas que os trabalhadores enfrentam.

*Daniel de Luca é psicólogo e assessor em saúde do trabalhador do Sintrajud.

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