O Encontro Estadual de Aposentados, Aposentadas e Pensionistas do Sintrajud discutiu na manhã deste sábado (31 de agosto) a realidade brasileira e internacional, e como ela impacta nas vidas dos trabalhadores e trabalhadoras. Com a participação do economista e professor aposentado da Unicamp Plínio de Arruda Sampaio Júnior e da socióloga e dirigente do PSTU e fundadora da CSP-Conlutas Vera Lúcia Salgado, a conversa foi mediada pela diretora do Sindicato Ana Luiza de Figueiredo (servidora aposentada do TRF-3). A mesa de conjuntura teve como principal consenso a avaliação de que, apesar da derrota eleitoral de Jair Bolsonaro, próximo da metade do terceiro governo Lula, a realidade teria mudado muito pouco porque os pilares da política econômica se mantêm os mesmos.
“Vivemos uma situação aparentemente paradoxal, porque teoricamente estamos com uma política estabilizada, as instituições “funcionam” e temos uma economia “num bom momento”. No caso da economia, depois de quase uma década, pelo terceiro ano a economia brasileira consegue crescer acima de 2%. Não é nada extraordinário, mas em comparação com o que vinha antes é, digamos, um bom momento. A inflação, que estava alta, foi estabilizada abaixo de 4% ao ano — o Banco Central acha que ainda é alta e que temos que ter os juros lá na estratosfera, uma das maiores taxas de juros reais do mundo, mas na verdade é uma inflação bem baixa, bem razoável. [Tivemos] uma redução da taxa de desemprego, [que está] lá embaixo, uma das menores da série histórica. Começa a ter um pequeno aumento, lento, mas começamos a ver um pequeno aumento do salário médio, da renda média das famílias. E o governo federal anuncia todo mês recorde de arrecadação”, analisou Plínio.
“De outro lado, a sociedade vive um profundo mal-estar”, prosseguiu o economista. “Porque os empregos que são gerados são precários e pagam um salário muito baixo — quase toda a geração de emprego é abaixo de dois salários mínimos —, a inflação está baixa, mas o salário está curto. As pessoas sentem o custo de vida não é porque a inflação está alta, como dizem os neoliberais, mas porque o salário está baixo e o custo de vida cresce acima da inflação”, afirmou Plínio Sampaio Jr.
Para o economista, “isso revela que aquela ideia de que se mudássemos o governo as coisas mudariam era enganosa. Nós mudamos o governo, mas as coisas continuaram muito complicadas”. Já no segundo ano de mandato, Plínio destacou que o “governo da Frente Ampla” nem conseguiu colocar o pobre no orçamento e nem afastar o risco do fascismo porque não promove nenhuma mudança estrutural”. Como exemplos, de que temos uma política econômica que, se não é exatamente idêntica à governo Bolsonaro, segue “no mesmo rumo da Ponte para o Futuro do Temer, que na verdade é levar o país ao século XIX olhando para o XVIII”. Como exemplos, o economista mencionou que “estamos na fase do Banco Central independente da pressão política da soberania popular e dependente da Faria Lima [novo centro financeiro paulista]. A política do teto de gastos agora mudou de nome para ‘Novo Arcabouço Fiscal'”.
Segundo Plínio, a economia cresce por uma combinação de conjuntura: a safra agrícola recorde do ano passado (2023), o aumento da transferência de renda que começou na pandemia e o Bolsonaro manteve para ganhar a eleição e o Lula continuou. Isso tudo dá um alento e então a economia cresce um pouquinho, mas nada sustentável”. Outros exemplos citados de que tudo continuaria como antes é que “a reforma trabalhista continua, a reforma previdenciária continua, todos os confiscos continuam”. Assim como também criticou o marco temporal, o apoio ao agronegócio e o Novo Ensino Médio e as tentativas de extinção do piso constitucional da saúde e de recolocar em pauta as reformas administrativa e da previdência.
Plínio também destacou que é essa realidade que impulsiona o crescimento da extrema direita, num contexto de agenda liberal e antipolítica. “Estamos assistindo a uma ofensiva ideológica brutal”, afirmou, destacando que “Pablo Marçal tem esse sucesso porque entra no debate como o antissistêmico e como o candidato da esperança quando é o candidato da barbárie”.
O economista também criticou o que avalia como adequação à ordem da candidatura de Guilherme Boulos. “Os trabalhadores estão obrigados a lutar”, asseverou. “Porque a população não tem que escolher entre o Lula e o Bolsonaro, tem que escolher entre o capitalismo e o comunismo, e isso é um processo”. Eu escutei o Boulos — ele tem uma solução para cada problema. Se ele for eleito, acho que todos os problemas serão resolvidos. Isso é uma mentira, que frustra a população e funciona como um bumerangue”, disse.
O economista concluiu sua participação no evento afirmando que é preciso criar esperança e não legitimar a ordem, como fizeram os governos petistas. “O Lula é o terceiro governo do golpe. Golpe contra quem? Contra a classe trabalhadora. A direita ficou forte durante o neodesenvolvimentismo do Lula”, asseverou. “Temos a necessidade e a urgência de ir além do capital. Então, acho que a tarefa dos trabalhadores agora na eleição é instigar a luta, nenhum vai resolver nada porque ninguém diz que vai mudar nada no sistema”, concluiu.
Para Vera Lúcia, do 9º Congresso do Sintrajud, realizado em maio de 2023, quando os dois especialistas também dividiram a mesa sobre a conjuntura, para agora “a realidade mudou um pouquinho para pior em alguns aspectos e em outros a gente observa que algumas coisas mais ou menos amenizaram, mas apenas na aparência porque ma essência a gente observa que as condições de vida da classe trabalhadora tem piorado, muito embora os índices e números digam que as coisas estão mais ou menos estáveis”, avaliou.
A socióloga destacou que as características concorrenciais, de objetivlo de lucro e individualista da sociedade capitalista é o que explica o surgimento periódico de figuras como Pablo Marçal. Outro problema apontado por Vera é que o debate sobre a condução do mundo — numa realidade de várias guerras e genocídio, lembrando a guerra Rússia-Ucrânia e a invasão israelense nos territórios palestinos — se dá cerceado pelos limites dos debates eleitorais. Enquanto isso, a “degradação e ataque à natureza foram tão grandes que vivemos dois estágios: de calor extremo, de fogo, ou de frio extremo e água”.
“E que classe social esse Estado privilegia? Independente do governo, da coloração política que assuma o Estado. Porque foi assim no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi assim nos governos do PT, no governo Temer, no governo Bolsonaro, e segue sendo agora no governo Lula”, afirmou Vera. As marcas do primeiro ano da gestão Lula 3, na avaliação da socióloga, são: “um arcabouço fiscal que tira dinheiro da saúde e da educação e privilegia os bancos. Quem são os banqueiros, não são da classe trabalhadora. São aqueles que hoje têm controle sobre o Estado, têm controle sobre as empresas e determinam a condução política e econômica do país, dos estados e dos municípios. E como isso se apresenta? Quando a prioridade é pagar uma dívida pública que não é feita por nós nem para atender às nossas necessidades, e corta ao mesmo tempo R$ 4 bilhões da saúde e da educação. Ao mesmo tempo, o governo Lula destinou no ano passado R$ 360 bilhões para o agronegócio que toca fogo no país e mata Yanomami, e agora destina mais R$ 400 bilhões”, asseverou.
Vera lembrou ainda das privatizações “que nada mais é do que a apropriação privada do coletivo”.
“Junto com isso, com os cortes na educação, com o avanço das privatizações, nós estamos hoje vivendo um cenário aqui no Brasil em que volta uma situação de colônia e uma atuação que não é que tem um parque industrial de potência média mesmo que controlado por multinacionais, porque uma das características da burguesia brasileira é que ela é entreguista, sempre foi, mercenária, cruel e sem apego àquilo que é daqui. Mas mesmo esse parque industrial hoje segue sendo desmantelado porque o centro da economia do país é principalmente a exportação de produtos primários ou de produtos muito pouco industrializados, que são as commodities. E quem é o setor que manda de fato no país? O agronegócio e os bancos”, analisou a socióloga.
“Então, é o público e o particular concorrendo o tempo inteiro. E os serviços públicos também concorrendo dentro disso. E mesmo os serviços públicos, hoje, através das terceirizações, têm o público e o privado convivendo continuamente. Não se investe mais em concursos públicos porque você pode contratar uma OS [tipo de organização social privada que gere boa parte dos equipamentos de saúde no país], pode contratar professores temporários”, exemplificou Vera.
Vera falou ainda sobre a dívida pública nacional. “A dívida pública no Brasil deu um salto. Agora cresceu mais um trilhão, que a gente é que paga e quanto mais paga mais deve. E quais são as medidas que o governo toma, nesse sentido? O arcabouço fiscal para priorizar a dívida pública”, disse.
A socióloga encerrou sua fala ressaltando que os trabalhadores e trabalhadoras aposentados, que já dedicaram boa parte de suas vidas à produção social “não têm o direito de ficarem em casa, porque a sociedade capitalista não permite isso ao trabalhadores aposentados. Têm que continuar lutando, porque senão a qualquer momento vão retirar os poucos direitos que foram conquistados, resultado de várias lutas no passado. Os trabalhadores que estão na ativa, estão em jornadas cada vez mais extenuantes com salários mais arrochados. E aqueles que estão no desemprego estão se sujeitando a trabalhar em qualquer condição. As reformas trabalhista e previdenciárias deram as condições para que este que é o menor índice de desempregados que existe no Brasil seja também o mais precarizado de todos os tempos: o trabalho temporário, intermitente, terceirizado, que não tem nenhuma segurança de que amanhã você vai continuar trabalhando. E esse tormento de que não temos nenhuma segurança sobre o nosso amanhã, tem adoecido profundamente a classe trabalhadora e a juventude”, explicou Vera.
Sobre as eleições municipais, Vera afirmou que “nós também temos candidaturas, e a nossa vai no [sentido] oposto. Oposto de Boulos, oposto de Nunes, porque nós temos candidatos. Eu sou do PSTU, todo mundo sabe aqui, e nosso candidato é o Altino, que diz o seguinte: ‘não tem que privatizar, tem que estatizar’, ‘não tem que confiscar os trabalhadores, tem que reconfiscar daqueles que lhes tiraram e aí então você tem moradia para todo mundo”.
“Se ganha Nunes, tem um vice da Rota. Se ganha Boulos, tem uma política de segurança pública assessorada pela Rota. E o que faz a Rota nas periferias?” “Temos que ter um programa para os municípios que responda às necessidades da classe trabalhadora”, concluiu, convidando todos e todas a acessarem as propostas da legenda excluída dos debates e cobertura de TV por conta da legislação eleitoral cada vez menos democrática no país.
E concluiu sua fala afirmando que isso não é efetivado hoje porque as prioridades orçamentárias são outras. “Hoje, R$ 50 bilhões vai para emendas, R$ 69 bilhões vai para o resto — pagar a dívida pública e [atender às necessidades de] nós [população]. Isso significa dizer que para a classe trabalhadora fica muito pouco porque tudo isso é apropriado de forma privada por um punhado de gente que pertence a uma classe que não é a nossa”, disse.
Durante a abertura do Encontro, na noite desta sexta-feira (30 de agosto) os dirigentes da Fenajufe Fabiano dos Santos e Luciana Martins Carneiro apresentaram informes da mobilização nacional para que fazer tramitar a proposta de reestruturação da carreira apresentada pela categoria ao Supremo Tribunal Federal em dezembro e sobre os projetos em tramitação no Congresso Nacional que afetam diretamente os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Anna Karenina (servidora da JF/Presidente Prudente) e Maurício Rezzani (aposentado do TRE-SP) saudaram a presença das colegas e dos colegas que vieram de todas as regiões do estado participar do evento.