Após rejeitar destaques pró-trabalhadores, comissão isenta agronegócio na Previdência


05/07/2019 - Luciana Araujo

Após 17 horas de sessão e rejeitados todos os destaques da oposição que tentavam reduzir as perdas para os trabalhadores na ‘reforma’ da Previdência, deputados da base do governo Bolsonaro ou aliados deste aprovaram uma alteração no texto da matéria que concede isenção fiscal a empresas do agronegócio no valor de R$ 86 bilhões em dez anos.

O destaque em favor dos ruralistas, apresentado pelo bloco PP, PTB e MDB, obteve 23 votos a favor e nove contrários. O texto-base da ‘reforma’ havia passado na comissão por 36 votos a 13, na tarde da quinta-feira (4). Os destaques começaram a ser analisados logo em seguida. De saída, 99 destaques individuais, a maioria favoráveis aos trabalhadores, foram rejeitados em bloco, sem análise de conteúdo, pela base parlamentar favorável à ‘reforma’. Já 17 destaques de partidos foram analisados um a um, processo que estendeu a sessão até perto das 2 horas da madrugada de sexta-feira (5).

Quase todos os destaques foram rejeitados pelos parlamentares ligados ao governo e ao deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), presidente da Câmara. Todos os que tentavam abrandar regras para trabalhadores do setor privado, professores, pensionistas, policiais civis e servidores públicos civis foram derrubados por larga diferença de votos – 33 a 12 foi o placar mais comum. Em frequentes momentos, deputados da oposição fizeram um apelo humanitário aos colegas da base governista para que reavaliassem certos aspectos mais duros da ‘reforma’ – como a previsão de pensões serem concedidas com valores inferiores ao salário-mínimo e a regra de transição dos servidores civis, que fixa um pedágio de 100% sobre o tempo de contribuição restante para a aposentadoria.

O deputado Paulo Ramos (PDT/RJ) afirmou que o texto aprovado na comissão era um “crime” e que parecia que ali se estava a revogar o artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz que ninguém será “submetido a tratamento desumano, cruel ou degradante”. “Vocês estão submetendo o povo brasileiro, a classe trabalhadora, os servidores públicos a essa situação. Vocês são assassinos de trabalhadores”, disse.

Em determinado momento, quando ainda não havia sido aprovado nenhum destaque e já se entrava na madrugada de sexta, a deputada Luiza Erundina (PSOL/SP) expressou indignação com o que se passava na sessão, na qual os deputados favoráveis ao texto substitutivo apresentado pelo relator Samuel Moreira (PSDB/SP) rejeitavam sistematicamente todas as propostas de alteração. “A cada ponto que se aborda aqui é um grau maior de sadismo, crueldade e absoluta insensibilidade. Estamos tratando da vida real das pessoas, das pessoas pobres, das pessoas que não têm proteção, das pessoas vulneráveis. Quando chegar a verdade a essas pessoas sobre isso [que se votou aqui],  não posso imaginar o susto que vão sentir”, disse.

Àquela altura, ainda não havia sido aprovado, por 22 votos a 19, o destaque que livra o agronegócio de pagar a contribuição previdenciária sobre a exportação de produtos agrícolas. A desoneração é estimada em certos estudos em até R$ 87 bilhões em dez anos, recursos que, assim, são subtraídos dos cofres da Seguridade Social. O mesmo destaque também eliminava um limitador de 60 meses para parcelamentos de dívidas de empresas com o Estado – hoje, não há previsão de limites e muitos parcelamentos de longo prazos podem ser comparados a uma anistia da dívida.  “É um perdão fiscal aos de cima, depois de tanto sofrimento aos de baixo”, disse o deputado federal Alexandre Molon (PSB/RJ), ao criticar o destaque.

Votações e ‘crueldade’

Ao longo da maioria das votações, os parlamentares favoráveis à reforma pouco ou nada falava sobre cada destaque. Quase sempre, cabia ao relator tentar tecer argumentos e recomendar a rejeição. O deputado Alexandre Frota (PSL/SP), que também pouco falava ao encaminhar os posicionamentos de seu partido, passou a zombar das críticas da oposição: “Voto sim com toda minha crueldade”, disse, resumindo nesta frase a posição de seu partido sobre temas polêmicos que envolviam direitos básicos previdenciários, sem acrescentar nada mais e desprezando a maior parte do minuto que cada líder de bancada tinha para encaminhar as votações.

Embora seja uma vitória do governo e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o resultado da votação na comissão não espelha necessariamente o que acontecerá no Plenário. Neste terreno, são necessários 308 votos dos 513 deputados federais para aprovar qualquer mudança na Constituição. “No Plenário, não é possível trocar membros. Todos os deputados votarão, e a proporção certamente será diferente.”, avaliou Molon, ao comentar o que ocorrera na comissão, cujos integrantes são escolhidos a dedo pelas lideranças partidárias. “Não acaba aqui”, afirmou a deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), ao defender uma forte reação da sociedade para que o que se aprovava ali seja revertido no Plenário.

Ao longo da semana, servidoras e servidores que integravam a delegação do Sintrajud participaram da mobilização na Câmara dos Deputados, em Brasília, num trabalho de contato e conversas com parlamentares para expor os impactos da reforma e defender a rejeição da proposta de Bolsonaro. Para o dia 12 de julho, estão sendo convocadas mobilizações nos estados e ato unificado em Brasília, contra a reforma da Previdência, em defesa da educação e dos serviços públicos.

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