Previdência: Após mobilizações, partidos retiram apoio a pontos da PEC de Bolsonaro


28/03/2019 - Luciana Araujo

Apresentação da ‘reforma’ à Câmara dos Deputados. No centro da foto, o presidente Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ministro da Economia, Paulo Guedes (Crédito: Carolina Antunes/Agência Câmara).

Em meio ao acirramento das disputas no condomínio do poder (Executivo, Legislativo e Judiciário em suas atuais conformações) e entre os grupos que compõem o núcleo do governo, as mobilizações do último dia 22 podem ter sido um importante fator de constrangimento à Câmara dos Deputados no processo de tramitação da ‘reforma’ da Previdência proposta pelo governo Jair Bolsonaro (PSL).

Treze partidos da base do governo ou articulados em torno à ‘reforma’ anunciaram nesta terça-feira-feira (26) desacordo com três pontos que prometem retirar da PEC: a desvinculação dos benefícios de prestação continuada (BPC) ao salário mínimo, as exigências para a aposentadoria rural e a retirada da Previdência da Constituição. Somadas, as bancadas dessas legendas – PR, SD, PPS, DEM, MDB, PRB, PSD, PTB, PP, PSDB, Patriotas, Pros e Podemos – totalizam 291 deputados.

Essa movimentação é avaliada por analistas e pela diretoria do Sintrajud como uma tentativa das legendas que apoiam a ‘reforma’ da Previdência se desvincularem das críticas que a Proposta de Emenda Constitucional 06/2019 já acumula na sociedade por ser a evidente destruição do sistema de seguridade social em vigor no país. A ameaça de desgaste às imagens dos deputados e senadores foi fundamental em 2018 para o engavetamento da ‘reforma’ proposta pelo então presidente Michel Temer (MDB).

Na oposição, PT, PDT, PCdoB, PSB, PSOL e Rede já tinham divulgado nota rejeitando de conjunto a PEC 06. Os 133 deputados dessas legendas, representados por suas lideranças de bancada, devem votar contra a propositura de conjunto, em todas as fases de tramitação, de acordo com a nota.

Guedes e a ‘fuga’ do Congresso

Nesta quarta-feira (27), o ministro da Economia, Paulo Guedes, falou por quase cinco horas à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Em boa parte do tempo bateu boca com senadores que defendem a ‘reforma’ mas apontavam o desrespeito institucional do governo para com o parlamento. Ao final, pediu desculpas.

Toda a fala de Guedes foi marcada por justificativas sem lastro para a defesa da PEC 6/2019 e ameaças de deixar o governo caso as mudanças no sistema de aposentadorias não sejam aprovadas. O discurso do “déficit” previdenciário e inviabilidade da Previdência foi repetido à exaustão pelo ministro.

O próprio parlamento, no entanto, já admitiu que não existe déficit nas contas da Previdência ao aprovar o relatório da CPI da Previdência por unanimidade, em 2017. “Agora a gente está no reinício formal de tramitação, quando começaria o debate, mas esse mesmo Congresso reconheceu, ao aprovar o relatório da CPI, que a Previdência não é deficitária e que há várias formas de enfrentar as perspectivas futuras, como a cobrança de sonegadores, rever os subsídios e isenções nas fontes de receita, o fim das desvinculações das receitas da Seguridade. E temos que cobrar isso do Congresso. Ainda que tenha havido uma certa renovação, mais nominal até, os partidos e os parlamentares reeleitos têm que ser cobrados”, destaca Tarcisio.

Um dia antes Guedes cancelou em cima hora a apresentação da PEC 6/2019 que faria à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, sob a justificativa de que fora avisado que não seria bem recebido. O fiador da ‘reforma’ na Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), presidente da Casa, havia declarado em coletiva de imprensa que o ministro tenta intervir na escola do relator da ‘Nova previdência’ no Legislativo, afrontando a independência formal dos poderes.

As últimas demonstrações de destempero do Executivo e articulações de bastidores no Legislativo geraram um nível de tensão na disputa do condomínio governamental que paralisou a tramitação da PEC 6/2019. Até a conclusão deste texto não estava definido o relator da Proposta na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A instalação da Comissão e eleição do presidente do colegiado, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), já tinha sido tardia. Somente em 13 de março conseguiu-se compor a CCJ.

Na última semana o presidente da República comparou Rodrigo Maia a “uma namorada que quer ir embora”, falou mal do parlamento e tentou empurrar para a Câmara o desgaste que a proposta de ‘reforma’ já começa a acumular. Em reação, Maia ameaçou abandonar a articulação para aprovar a PEC e o Centrão chegou a cogitar trazer de volta a ‘reforma’ de Temer (a PEC 287-A, cuja tramitação está parada desde o ano passado). O presidente da Câmara chegou a afirmar à imprensa que Bolsonaro estaria brincando de governar de maneira irresponsável.

“Sabemos que ela [a reforma] é uma prioridade do governo e, praticamente, um consenso entre os grandes partidos, mas as dificuldades do governo em coesionar uma base para garantir o apoio ao texto que eles apresentaram e as barganhas entre os diferentes setores, inclusive por concessões e vantagens, mostram que há um espaço de disputa e que é possível enfrentar a ofensiva do governo. E a pressão popular organizada pode ser determinante para derrotar a ‘reforma'”, ressalta Tarcisio Ferreira, servidor do TRT-2 e diretor do Sintrajud.

Para o dirigente, as diversas formas de mobilizações unitárias são fundamentais. “Greves, manifestações de rua, junto com as outras formas de pressão sobre os parlamentares, além de dialogar com o conjunto da população para mostrar o quão falacioso é o discurso do governo e que é necessário lutar para preservar a Previdência Social como construímos ao longo de gerações”, aponta Tarcisio.

Ataques já são percebidos

Mesmo em meio aos tuítes e campanhas publicitárias a população começa a perceber os efeitos deletérios da ‘reforma’ de Bolsonaro. Já no domingo (24), a colunista Monica Bergamo public0u na ‘Folha de S.Paulo’ que uma empresa que mede as reações a temas do debate público nas redes sociais verificou queda de mais de 30 pontos à aprovação da ‘Nova previdência’ na semana passada. O dado bate com o resultado parcial da enquete promovida pela Câmara dos Deputados, onde 7 em cada 10 respondentes manifestavam discordar totalmente da PEC 6/2019 quando este texto foi concluído.

Vote na enquete da Câmara sobre a ‘Nova previdência’ aqui:

“As bases de justificativa da necessidade da reformas são todas falaciosas. Não há déficit e está muito claro que, com a DRU [desvinculação de receitas da União], o que se pretende é transferir verba da aposentadoria pública para o sistema financeiro, mal que está ocorrendo no mundo todo”, analisa Henrique Sales, diretor do Sintrajud e também servidor do TRT-2.

Agenda de mobilizações cresce

O empresariado, por sua vez, decidiu também articular a pressão sobre os deputados em favor da ‘reforma’. O que comprova que nada está definido e que a mobilização é decisiva para enterrar ou não o que analistas vêm classificando como o fim do sistema de aposentadorias instituído pela Constituição de 1988.

“A proposta do governo não está derrotada no Congresso. Ainda não foi. Derrotas só vêm com muita luta. E nessa proposta do Paulo Guedes tem uns bodes que podem sair sem ultrapassar o limite com os quais trabalham. As contradições são importantes mesmo, mas uma pressão do “mercado” pode fazer com que se ajustem rapidamente”, alerta o servidor do TRF-3 e outro diretor do Sindicato José Dalmo Duarte.

Por isso, as centrais sindicais mantêm e intensificam o calendário de mobilizações. Em reunião na manhã desta terça-feira (26) ficou decido que será lançado um abaixo-assinado nacional contra a ‘reforma’, no dia 2 de abril (terça-feira) às 10 horas, com um ato em frente ao Theatro Municipal, na Praça Ramos, Centro da capital.

No dia 9/4, dirigentes sindicais vão pressionar parlamentares no aeroporto de Brasília. Em 26/4, quando está prevista greve nacional da educação, as centrais vão apoiar o movimento e participar dos atos contra a ‘Nova previdência’. E o 1º de maio será pela primeira vez, desde 1999, unificado entre todas as centrais sindicais e movimentos sociais.

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