Após condenação, MPF reabre investigações sobre a morte de Vladimir Herzog


02/08/2018 - Shuellen Peixoto

O Ministério Público Federal reabriu as investigações sobre o assassinato do jornalista Vladimir Herzog após o Estado brasileiro ter sido recentemente condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. A CIDH condenou o Estado Brasileiro pela falta de investigação e punição aos responsáveis e considerou o assassinato de Herzog como crime de lesa-humanidade, dado que decorrente de tortura. O jornalista foi morto nas dependências do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), em São Paulo, no dia 25 de outubro de 1975.

A reabertura foi anunciada na última segunda-feira, 30, em coletiva de imprensa com a participação dos procuradores da República Marlon Weichert e Sérgio Suiama, de Beatriz Afonso (diretora do Centro de Justiça e Direito Internacional – Cejil), Belisário dos Santos Junior (Comissão Internacional de Juristas), dos familiares Clarice e Ivo Herzog, viúva e filho do jornalista.

Coletiva (Crédito: Vivian Reis/G1)

A reportagem do Sintrajud acompanhou a coletiva, como parte das iniciativas aprovadas em assembleia da categoria para que o Sindicato seja parte da campanha contra novas ‘intervenções militares’ no Estado brasileiro.

Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o caso Herzog cumpriu os requisitos de crime contra a humanidade, o que extingue as possibilidades de prescrição e de anistia dos torturadores e assassinos. “Crime de lesa-humanidade é um conceito jurídico que tem uma ideia específica atrás dele: são ataques, normalmente produzido pelo Estado, generalizados e sistemáticos contra uma população, a consequência disso é a imprescritibilidade e não suscetibilidade a lei da anistia”, esclareceu Sérgio Suiama, Procurador da República e perito da Corte. A CIDH também responsabilizou o Brasil pela violação ao direito à verdade e à integridade pessoal dos familiares do jornalista.

Esta foi a segunda condenação do Brasil pelos crimes da ditadura empresarial-militar que se abateu sobre o país entre 1964 e 1985. Em 2010 a CIDH havia responsabilizado o Estado pelo desaparecimento de 62 pessoas na operação de repressão à Guerrilha do Araguaia, no que ficou conhecido como o ‘Massacre do Araguaia’, ocorrido em 1974. Na época, também foi decidido no caso específico do ex-guerrilheiro Gomes Lund que a Lei da Anistia é inválida, à luz da Convenção Americana de Direitos Humanos, para casos de grave violação – basicamente, sequestros, desaparecimentos forçados e execuções sumárias. No entanto, o Judiciário brasileiro não incorporou a decisão.

Crime contra a humanidade

A sentença da CIDH traz à tona novamente a discussão sobre a gravidade dos crimes cometidos durante a ditadura e a validade da Lei de Anistia. A maioria das ações movidas contra o Estado pelos crimes deste período eram bloqueadas, em última instância, pela interpretação que o Supremo Tribunal Federal consolidou sobre a Lei de Anistia, de 1979. Ao julgar a ADPF 153, em abril de 2010, o STF entendeu que a Lei 6683/79, protegeria também os agentes do Estado que cometeram crimes naquele período em ações institucionais.

Para o procurador Marlon Weichert, que foi testemunha na Corte, a decisão no caso Herzog demonstra um endurecimento da CIDH contra o Brasil.  “A Corte reavaliou toda a matéria e subiu no patamar de argumentação. Antes falava de graves violações dos direitos humanos, mas agora qualificou os crimes praticados durante a ditadura como crime contra a humanidade, são os tipos mais graves, estão ao lado de guerra e genocídio. E determinou ao Brasil, mais uma vez, fazer justiça diante destes crimes”, afirmou.

Beatriz Affonso, diretora do Cejil, que levou o caso à CIDH junto com a família Herzog, a condenação no tribunal internacional toma uma importância ainda maior porque pode incidir e fazer com outros casos sejam investigados. “A sentença da Corte não se restringe só ao Caso Vladimir Herzog, por isso ela fala de contexto de crime contra a humanidade. Ou seja, tanto a Lei da Anistia, que era amplamente utilizada para obstruir as investigações e não trazer à sociedade a verdade sobre os crimes da ditadura, quanto a prescrição, não devem mais ser consideradas”, disse.

O procurador Sérgio Suiama destacou ainda que o cumprimento por parte do Estado brasileiro, que é signatário da Convenção e integrante da Corte, é obrigatório.“Esta sentença da Corte não é uma recomendação, parecer, sugestão ou pedido, é uma determinação judicial de um órgão jurisdicional ao qual o Brasil está vinculado. Então, o Estado é obrigado a cumprir. Esperamos que o judiciário tenha uma nova postura com relação a estes casos, uma vez que a maioria dos que já foram ajuizados estão paralisados por ordens ou determinações concedidas em várias instâncias do Poder Judiciário”, finalizou.

Com base neste entendimento, segundo Suiama, o Ministério Público Federal propôs a reabertura de 36 ações penais, referente a diversos casos contra mais de 50 agentes da ditadura.

Justiça

Emocionados, a viúva e filho mais velho de Vladimir Herzog, falaram sobre o significado da sentença. Para eles, a luta por justiça que já dura 43 anos não se trata de vingança, mas da busca por um futuro melhor. “Lutamos para não deixar [a ditadura] acontecer novamente. Essas pessoas que matavam eram funcionários do Estado e recebiam para matar”, afirmou Clarice Herzog.

“Para nossa família e de tantos outros desaparecidos, o julgamento é importante porque queremos que os culpados sejam reconhecidos para construir um futuro”, afirmou Ivo. “O presente que temos hoje é resultado do passado, se analisarmos os últimos 200 anos do Brasil, não mudou em nada, os agentes do Estado continuam cometendo crimes e saindo impunemente. Ano passado foram mais de 900 assassinados por agentes do Estado, duas vezes o número de mortos e desaparecidos da época ditadura, crimes que não vão a julgamento”, destacou o filho do jornalista referindo-se ao número de pessoas mortas pela polícia em São Paulo em 2017.

Para eles, o mais importante da sentença é acabar com os mecanismos que continuam obstruindo a verdade sobre os acontecimentos do período e impedindo a punição dos torturadores.

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