Após 90 anos da conquista do direito ao voto, mulheres ainda têm baixa representação na política


24/02/2022 - Shuellen Peixoto
Luta das mulheres no início do século garantiu o reconhecimento do direito no Código Eleitoral de 1932, no entanto, ainda hoje elas ocupam apenas 15% dos mandatos no Congresso Nacional.

Há exatos 90 anos, no dia 24 de fevereiro de 1932, entrava em vigor o primeiro Código Eleitoral brasileiro que estabeleceu o direito de voto às mulheres e criou a Justiça Eleitoral.  O voto feminino foi conquistado com muita mobilização e pressão das primeiras mobilizações de mulheres no país após o fim da escravidão. O movimento, que tornou suas integrantes conhecidas como “sufragistas”, lutava por direitos básicos como o de voto e divórcio. Embora tenham sido muitos os avanços de lá para cá, o Brasil de 2022, mesmo após quase um século da conquista feminina de ser parte das decisões sobre os rumos do país, ainda convive com uma baixíssima representatividade de mulheres nos espaços legislativos e de poder.

Apenas um dos 26 estados brasileiros é governado por uma mulher. E somente 15% dos mandatos no Congresso Nacional são ocupados por mulheres. Entre as eleitas em 2019, são 14 as que se declaram pretas ou pardas (2,5%) na Câmara, e apenas uma no Senado (1,2%).

Voto feminino e as sufragistas

A luta pelo direito do voto feminino teve início muito antes da aprovação do primeiro código eleitoral. Diante da resistência à extensão de qualquer direito a mulheres, já no início do século XX, inspiradas nos movimentos internacionais em defesa do sufrágio feminino, brasileiras escolarizadas passaram a organizar associações e partidos para reivindicar o direito à participação na política.

Em 1910, a professora Leolinda de Figueiredo Daltro fundou o Partido Republicano Feminino e, em 1922, surgiu a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino que realizou, no mesmo ano, o primeiro congresso feminista. Presidida pela bióloga Bertha Lutz, a federação promovia palestras, reuniões, distribuições de panfletos no Congresso e manifestações em defesa da igualde de direito e do sufrágio feminino. Leolinda de Figueiredo Daltro e Bertha Lutz são consideradas precursoras do movimento feminista no Brasil.

Ainda na década de 20, outra liderança do movimento feminista, a professora Celina Guimarães se torna a primeira mulher a votar no Brasil e na América do Sul, em 1927, antes da aprovação do sufrágio feminino. A professora conseguiu o alistamento eleitoral no Rio Grande do Norte provando que a Constituição Federal de 1891 não proibia expressamente o voto feminino, embora na maior parte do país a compreensão fosse de que não cabia a mulheres participar de debates políticos. Em 1929, a professora Alzira Soriano foi a primeira prefeita eleita no país, no município de Lajes, no Rio Grande do Norte, permanecendo no cargo até o início do governo provisório de Getúlio Vargas.

A luta das mulheres ao longo das primeiras décadas do século, garantiu que fossem abolidas as restrições de gênero ao voto em 1932 no código eleitoral. E só em 1934 o sufrágio feminino tornou-se um direito constitucional. O Brasil foi o segundo país da América do Sul a aprovar o sufrágio universal, o primeiro foi o Uruguai,  em 1927.

Bruna Guimarães (arquivo pessoal)

“O movimento de luta das mulheres pela conquista do direito ao voto foi intenso e trouxe, sem sombra de dúvidas, uma vitória importante que abriu e abre caminhos para a emancipação feminina, mas, mesmo após 90 anos, é necessário que ainda façamos uma reflexão sobre os avanços já alcançados e os desafios que ainda precisamos enfrentar”, afirmou Bruna Guimarães, servidora do TRT-2 e integrante da coordenação do Coletivo de Mulheres do Sintrajud.

Participação das mulheres na política

O direito ao sufrágio feminino não foi convertido automaticamente em garantia da participação de mulheres na política do país. Na verdade, após nove décadas, as mulheres, que são a maioria do eleitorado, ainda têm uma participação muito aquém. Segundo dados do Instituto para a Democracia e Assistencial Eleitoral (International IDEA) e do TSE, as mulheres são 52% do eleitorado, mas, são apenas 16% dos vereadores, 15,2% dos deputados estaduais, 15% dos deputados federais e 16% dos senadores.

No ranking mensal da União Interparlamentar (IPU, na sigla em inglês), o Brasil ocupava em janeiro deste ano a 145ª posição entre 187 lugares no que se refere à participação feminina em parlamentos nacionais.

Para Camila Oliveira, também servidora do TRT-2 e integrante da coordenação do Coletivo de Mulheres do Sindicato, apesar da importante vitória de poderem eleger representantes ainda há muitos passos a serem dados para garantir, de fato, a participação das mulheres na política.

Camila Oliveira (arquivo pessoal).

“A desigualdade que persiste na sociedade se expressa também nos parlamentos e governos, mas assim como os movimentos feministas têm ampliado a discussão em todos os ambientes possíveis, também nas casas políticas esse enfrentamento tem acontecido, com a problematização de ocorrências como a denúncia do caso de assédio à deputada estadual Isa Penna, do PSOL, episódios do debate sobre o impeachment da ex-presidenta Dilma [como aquele adesivo de bomba de gasolina com ela de pernas abertas] e as violências machistas que as mulheres enfrentam em suas falas em todas as sessões plenárias e no jogo político de um ambiente que é ostensivamente hostil a nossa presença”, destacou Camila.

Apesar de estar estabelecido na legislação eleitoral atual que pelo menos um terço das candidaturas têm que assegurar a diversidade de gênero, na prática, ainda não há garantias de que as mulheres ocupem os espaços políticos.

“Há uma curva ascendente na participação de mulheres no processo eleitoral brasileiro. Em 2020 houve registro recorde de candidaturas femininas na disputa por prefeituras e câmaras municipais. No entanto, ainda temos muitos desafios, que estão para além da busca por maior igualdade de representação política, que ainda é insuficiente”, afirmou a Bruna Guimarães. “Precisamos assegurar a permanência de mulheres no espaço eleitoral, e isto implica, desde repensar os espaços públicos para as que são mães, até garantir a atuação política sem ameaças ou violências, como as que presenciamos contra vereadoras na capital paulista”, destacou a servidora.

Para Luciana Carneiro, servidora do TRF-3, também integrante da coordenação do Coletivo Mara Helena dos Reis e diretora do Sintrajud, a mobilização por ocupar espaços é parte da luta contra o machismo e todas as formas de opressão na sociedade e, tal disputa, acontece em todos os ambientes políticos, não apenas no parlamento. “Essa é uma discussão que precisamos fazer também nas nossas entidades e coletivos, para que as mulheres não pensem e achem que não temos capacidade ou não pertencemos aos lugares de disputa política, seja quais forem, precisamos ocupar cada vez mais estes espaços políticos para expressar que queremos mais mulheres ocupando os espaços de poder, mulheres que representem a classe trabalhadora”, finalizou Luciana Carneiro (foto).

Coletivo de Mulheres do Sintrajud

Coletivo de Mulheres do Sintrajud – Mara Helena dos Reis, está participando das reuniões organizativa das mobilizações do 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres. Este ano, o lema dos atos será “Pela vida das mulheres, Bolsonaro nunca mais! Por um Brasil sem machismo, sem racismo e sem fome!”. Além disso, o coletivo realizará mais uma atividade de formação para a categoria no dia 5 de março, sábado, às 14h, via plataforma Zoom.

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