Abertura do Ano Judiciário e pauta do STF no semestre ressaltam necessidade de mobilização


06/02/2020 - Luciana Araujo

Cerimônia de abertura do ano judiciário (Crédito: Rosinei Coutinho/STF);

 

O discurso de abertura do Ano Judiciário 2020 proferido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, no último dia 3, foi marcado por uma concepção gerencialista – com uma fala permeada por metas, indicadores, números e exaltação à premissa do “fazer mais, com menos”. Os servidores do Poder foram citados uma única vez na mensagem de mais de 1.200 palavras, para apontar que “os resultados alcançados devem-se à dedicação e ao trabalho diário e incansável” de magistrados, trabalhadores efetivos, terceirizados, estagiários, conciliadores, juízes leigos e voluntários.

A única referência ao estrangulamento orçamentário que vem se ampliando há mais de uma década, e tornou-se mais rigoroso com a Emenda Constitucional 95, teve tom de reivindicação do modelo de Estado que retira investimentos das áreas sociais para assegurar a remuneração da dívida pública. Os efeitos mais duros da EC-95 (do teto de gastos) serão sentidos na estrutura do Judiciário a partir deste ano, com o fim da possibilidade de complementação orçamentária a partir de remanejamento de verbas do Executivo. Toffoli, no entanto, comemorou que “estamos decidindo mais, em menos tempo e baixando mais processos. Tudo isso a despeito da diminuição real de 20% no orçamento da Corte nos últimos 10 anos, evidenciando o uso mais eficiente dos recursos públicos.”

A perspectiva do discurso do presidente da Suprema Corte, que em 2018 propôs um “pacto” dos três poderes para fazer avançar reformas estruturais, indica que vai ser necessária forte mobilização para evitar a retirada de mais direitos. Não houve nenhum comentário de Toffoli sobre a ameaça de redução dos vencimentos dos servidores do Poder em até 25%, prevista nas propostas de emendas constitucionais 186 e 188, que integram o chamado plano ‘Mais Brasil’.

Na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ) afirmou que pretende “tentar convencer o Supremo de que ele deve participar em conjunto conosco da reforma administrativa, que [ela] seja dos três Poderes. Mas a gente precisa que isso fique claro. Porque depois alguém pode entrar com uma ação no Supremo e dizer que a parte do Judiciário é inconstitucional.”

A mesma toada do aumento da produtividade e silêncio sobre as restrições orçamentárias marcou o discurso dos presidentes do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Brito Pereira, e do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha. No dia seguinte à abertura do Ano Judiciário 2020, Ives Gandra Martins Filho, ex-presidente do TST e integrante do Grupo de Altos Estudos sobre Trabalho (GAET) criado pelo Ministério da Economia do governo Bolsonaro, determinou que os petroleiros em greve nacional contra o desmonte da empresa e pela garantia de cumprimento do acordo coletivo da categoria têm que manter 90% de funcionamento das atividades durante a paralisação.

Para Tarcisio Ferreira, servidor do TRT-2 e diretor do Sintrajud, “a cúpula do Judiciário mais uma vez dá destaque a resultados basicamente calcados apenas em números abstratos e postulados genéricos, sem apresentar preocupações ou propostas de soluções em relação à carreira e às condições de trabalho dos servidores, e também sem apresentar concretamente qual é a disposição e a capacidade efetiva do Judiciário em entregar os direitos almejados pelo conjunto da população, especialmente em um momento de crise, quando essa demanda é ainda mais urgente e muitas vezes, dramática.”

Direitos em xeque

Uma série de direitos dos trabalhadores serão tema da pauta do plenário do STF até o final do primeiro semestre. O Sintrajud acompanhará os julgamentos e buscará intervir como amicus curiae em diversas ações em curso.

Entre elas estão as ADIs (ações declaratórias de inconstitucionalidade) 6254, 6255, 6256 e 6271. Os processos questionam vários dispositivos impostos com a ‘reforma’ da Previdência do governo Jair Bolsonaro, tais como: a contribuição extraordinária, as alíquotas extraordinária e progressiva, os critérios para estabelecimento das faixas de desconto da contribuição previdenciária, as novas regras de transição e a revogação daquelas estabelecidas pelas emendas constitucionais 41/2003 e 47/2005, além da previsão de anulação de aposentadorias já concedidas. Essas ADIs ainda não têm data prevista para julgamento.

Outro processo de interesse dos servidores da categoria e do Sindicato é o RE 1050597. Com repercussão geral, o RE discute se o servidor que ingressou no serviço público em outro ente federado antes da instituição do Regime de Previdência Complementar dos servidores públicos federais (Funpresp) e passou ao serviço federal, sem quebra de vínculo, pode optar por não aderir ao RPC e não ter suas contribuições e proventos futuros limitados ao teto de benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). O Sindicato também pretende atuar como amicus curiae neste processo, que ainda não tem data para julgamento.

No início da tarde desta quinta-feira o plenário do STF analisou os embargos de declaração que questionavam o entendimento da Suprema Corte contra os trabalhadores desaposentados. A maioria dos ministros votou para que estejam protegidos da devolução de valores os trabalhadores com direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até o dia de hoje ou que tenham recebido de boa fé sem decisão judicial definitiva. Os valores dos benefícios para quem não tem decisão com trânsito em julgado, no entanto, serão reduzidos aos patamares anteriores à decisão judicial pela desaposentação ou reaposentação, mantendo-se o entendimento proferido em 4 de novembro de 2016, de que os dois institutos são inconstitucionais.

No próximo dia 19 está na pauta a ADI 6025, que autoriza isenção do imposto de renda sobre as aposentadorias de pessoas com doenças graves ou lesionadas em serviço.

Redução salarial

Estava prevista para esta quarta-feira (5) a continuação do julgamento da ADI 2238, que discute o artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Com efeitos suspensos desde 2002, o artigo da LRF permitiria a redução salarial para o funcionalismo público. Já formada maioria na Corte pela inconstitucionalidade da redução de salários, em sessão no dia 22 de agosto passado o presidente do STF adiou a proclamação do resultado. A ação, de interesse geral, deve voltar à pauta em 2 de abril.

No mesmo dia 2 de abril está previsto também o julgamento do Recurso Extraordinário 576967, que discute a incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade.

Outras pautas de interesse

Também já estão agendados os seguintes julgamentos, que podem não ocorrer nas datas previstas em razão do atraso de outras decisões na Corte ou mesmo por iniciativa de retirada da pauta:

ADI 5942 – Questionamento ao decreto 9.355/2018, do governo Michel Temer, que autoriza a privatização de áreas de petróleo do pré-sal e parte das atividades da Petrobras. Em pauta no dia 20 deste mês.

RE 566471 – Discute o fornecimento pelo Estado de medicamentos de alto custo para pessoas com doenças graves. Está agendado para 11 de março.

ADIs 3133, 3143 e 3184 – Questionam a instituição de alíquota previdenciária para aposentados e pensionistas – o artigo 9° da EC 41/2003 (a ‘reforma’ da Previdência de Lula), que mitiga a noção de direito adquirido ao instituir o redutor salarial ao teto remuneratório do STF. Pautada para 15 de abril.

ADIs 4916, 4917, 4918, 4920 e 5038 – Discutem a redistribuição dos royalties de petróleo entre os estados produtores e a União. As ações estão na pauta do dia 29 de abril.

ADIs 5826, 6021 e 5.867 e ADCs 58 e 59 – Discutem a constitucionalidade de dispositivos introduzidos com a ‘reforma’ trabalhista de Michel Temer, como o trabalho intermitente e a atualização dos créditos trabalhistas decorrentes de condenação judicial pela TR (taxa referencial). Na pauta do dia 14 de maio.

ADIs 5870, 6050, 6069 e 6082 – Debatem a reparação de danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho, questionando o estabelecimento, pela ‘reforma’ trabalhista, de um teto para o pagamento de indenizações a trabalhadores afetados por doenças, lesões ou mesmo vítimas de morte no trabalho. O debate está marcado para 4 de junho.

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