‘O impacto da inflação em dois dígitos nos salários é brutal’, destaca economista do Sintrajud


21/02/2022 - Helcio Duarte Filho
Primeira parte da entrevista com Washington Moura sobre perdas salariais, a campanha salarial dos servidores, inflação e a situação orçamentária.

O congelamento salarial associado à alta inflacionária gera um impacto muito alto, que chega a ser brutal para determinadas faixas salariais. É o que afirma o economista Washington Moura, que assessora o Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Estado de São Paulo. O economista foi entrevistado pelo departamento de Comunicação do Sindicato sobre a luta do funcionalismo para recompor as perdas salariais decorrentes da inflação.

O assessor econômico fala das perdas salariais gerais das servidoras e servidores públicos federais, da situação no Poder Judiciário Federal e no Ministério Público da União e das negociações travadas no Fórum Permanente da Carreira, no ano passado, no CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O índice reivindicado na campanha salarial unificada é de 19,99%, que corresponde às perdas acumuladas ao longo dos três primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro.

“E como para 2022 não há nenhuma previsão de reajuste, significa que nós [podemos] chegar ao final do ano com um reajuste necessário, para recompor o salário no mesmo patamar de janeiro 2019, de 26,02%. É um percentual muito alto. Se estivéssemos falando de [trabalhadores] que recebem um salário mínimo, por exemplo, significaria não ter o que comer. É um impacto muito alto, brutal. E acho que as pessoas estão sentindo isso na pele”, disse o economista.

Para Washington Moura, essa perda de poder aquisitivo na realidade significa a transferência de renda da classe trabalhadora para setores empresariais da elite econômica. “Acaba de sair uma reportagem que diz que as dez pessoas mais ricas do mundo duplicaram as suas riquezas em um ano, um ano e pouco, durante o período da pandemia. Então, [essa perda] é um reflexo, porque essa renda que a gente está perdendo foi para algum lugar”, diz.

A seguir, trechos da entrevista com o economista sobre a questão salarial,  que é parte da de uma campanha conjunta que está sendo construída nacionalmente pelo Fonasefe (Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais), ao lado do Fonacate (Fórum das Carreiras Típicas de Estado) e outras organizações sindicais. A campanha se espelha na bem-sucedida articulação política que, em 2021, conseguiu impedir a aprovação da ‘reforma’ administrativa (PEC 32) — uma das prioridades do governo Bolsonaro no Congresso Nacional.

SINTRAJUD – Qual o impacto da inflação no bolso de trabalhadores e trabalhadoras que não estão tendo suas remunerações devidamente reajustadas, caso do funcionalismo público civil em geral e também dos servidores do Poder Judiciário Federal e do Ministério Público da União? 

WASHINGTON MOURA – Tentando resumir o que está acontecendo: nós tivemos uma inflação de 4,31% de janeiro a dezembro de 2019; tivemos uma inflação de 4,52% de janeiro a dezembro de 2020; e tivemos uma inflação de 10,06% de janeiro a dezembro de 2021. A inflação, nesse caso, é o IPCA. Se fosse o INPC seria um pouco maior. O IPCA é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor ampliado do IBGE, que é usado para uma série de coisas, inclusive para a questão do teto de gastos do orçamento.

Bom, o fato é que esses três índices: 4,31%; 4,52% e 10,06%, acumulam nesse período de janeiro de 2019 a dezembro de 2021, três anos, 19,99%. É muito alto. É [como] se um quinto de tudo o que é consumido pela pessoa tenha sido cortado. E para 2022 a previsão de inflação é de 5,03% —pelo boletim Focus, do Banco Central, do dia 3 de Janeiro. Essa previsão tende a ser maior, como ocorreu em 2021, quando eles reviram o índice, durante o ano, dezenas de vezes, sem exagero.

Se a gente considerar 5,03% e como para 2022 não há nenhuma previsão de reajuste [salarial], significa que nós [podemos] chegar ao final do ano com um reajuste necessário, para recompor o salário no mesmo patamar de janeiro 2019, de 26,02%. É um percentual muito alto. Se estivéssemos falando de [trabalhadores] que recebem um salário mínimo, por exemplo, significaria não ter o que comer. É um impacto muito alto, brutal. E acho que as pessoas estão sentindo isso na pele.

E por que ainda não tem uma revolta maior? Eu acho que é, particularmente, por causa da pandemia. O fato de as pessoas não estarem no local de trabalho. Todas as consequências da pandemia, em ter mudado a vida da pessoa etc. De certa forma, ela é o freio. Não é só isso, mas eu acho que isso tem um peso significativo. Não é à toa que, em termos mundiais, eles estão aproveitando para passar, como disse o [ex-]ministro [Ricardo] Salles, a boiada. Eles estão fazendo tudo para piorar as condições de vida da maioria dos seres humanos, dos trabalhadores. E acaba de sair uma reportagem que diz que as dez pessoas mais ricas do mundo duplicaram as suas riquezas em um ano, um ano e pouco, durante o período da pandemia.

Então, [essa perda] é um reflexo, essa renda que a gente está perdendo foi para algum lugar. Pega a inflação: metade foi o aumento de combustível. O aumento de combustível foi feito para quê? Para aumentar os dividendos dos acionistas da Petrobras. Hoje, a maior parte desses dividendos estão nas mãos dos grandes bancos e dos grandes especuladores. Então, só desse índice de 10%, nós perdemos metade para os especuladores que receberam diretamente. Como se fosse o canudinho sugando o sangue da gente. Esse percentual que a gente está gastando a mais quando a gente vai no mercado, quando a gente vai comprar um plano de saúde, quando a gente vai comprar a gasolina, vai diretamente para o bolso deles através das dezenas e dezenas de bilhões de dividendos que a Petrobras paga para esses acionistas.

SINTRAJUD – Ainda sobre os 19,9%: esse é o índice que o conjunto do funcionalismo está reivindicando. Então, nesse período não houve nenhum reajuste para o conjunto do funcionalismo?

WASHINGTON MOURA – Sim. Não é uma coisa só do Judiciário. Assim como no Judiciário, no Executivo e no Legislativo houve o aumento no teto de gastos igual ou superior à inflação. Poderiam ter reajustado os salários em 2019, 2020 e 2021. Eles tinham o orçamento para isso, mas resolveram deslocar esse orçamento para outras coisas. Gastou-se uma fortuna com emendas parlamentares para ‘reforma’ da Previdência, tem a execução do orçamento secreto, tem o pagamento dos juros e das dívidas para os bancos, enfim.

Não é uma situação que os servidores não estão recebendo reajuste porque não teve aumento no orçamento. Teve aumento no orçamento, só que ele não foi aplicado na remuneração dos servidores.

 

SINTRAJUD – Neste momento, a base da reivindicação na campanha unificada é este índice de  19.99%, referente à inflação de janeiro 2019 até dezembro de 2021. Agora, as perdas salariais da categoria e, em particular, do Poder Judiciário e do Ministério Público da União, não se resumem a isso, certo? 

WASHINGTON MOURA – Não. É o seguinte: a gente costuma considerar 2006 como uma espécie de “data-base”, que foi quando foi aplicado o PCS da época. A gente já vinha de uma luta muito grande, com perdas anteriores a isso, inclusive. E a gente terminou colocando como base junho de 2006, que foi o chamado PCS-3. De junho de 2006 para cá, nós tivemos, basicamente, dois reajustes. Isso em praticamente 16 anos. Nós tivemos três parcelas de 5%, lá em 2013, 2014 e 2015, que totalizou 15,76%. E tivemos 23,57% deste último PCS. Inclusive, nesse percentual há algumas contradições, eu mesmo acho que foi menos. Porque tinha a questão do índice de 13,23%, que eu não vi nenhum cálculo abatendo desse percentual essa incorporação. Mas, de toda forma, estão usando 23,57% mesmo, com uma certa dúvida de que o percentual foi menor. Então, se a gente acrescentar nos 15,76% mais 23,57%, nós vamos ter de 2006 até hoje apenas 43,04% na remuneração. E a inflação desse período, pegando o IPCA até dezembro de 2021, foi de 137%. Então, é uma situação de 43% para 137%. Fazendo a conta, novamente, financeira, nós precisaríamos de 65,84% para recompor a remuneração no mesmo patamar de junho de 2006.

* As demais partes da entrevista serão publicadas nos próximos dias. Acompanhe.

Parte 2: “Há espaço legal e orçamentário para reajuste”

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