O Processo Judicial Eletrônico (PJe) é, de certa forma, uma resposta à principal crítica feita à justiça brasileira: a morosidade. A possibilidade de virtualizar os processos surge como um caminho para dar celeridade e praticidade aos mesmos, além de ganhos como economia com papel e espaço físico. Porém, essa nova forma de trabalho pode trazer consequências negativas à saúde dos servidores.
Em um artigo de 2014, pesquisadoras do Rio Grande do Sul apontavam sobre a implementação do PJe[1] no JEF naquele estado, que a facilidade de submeter ações ao Judiciário devido à virtualização levou a um aumento da demanda de trabalho, superando o crescimento de produtividade propiciado pela mesma tecnologia. As autoras ilustram este salto relacionando os dados de antes (2004) e depois (2008) da implementação do PJe no JEF/RS: os processos distribuídos aumentaram em 104%, os julgados aumentaram 44% e a quantidade de processos tramitando aumentou 10%. Tais diferenças evidenciam um grande sobrepeso da demanda de trabalho, enquanto a capacidade de julgar tais processos não seguiu o mesmo ritmo.
A mudança gerada pelo PJe não é apenas de ordem quantitativa, mas qualitativa também, pois a informatização altera a dinâmica do trabalho. O computador oferece uma considerável quantidade de estímulos simultaneamente ou em um curto espaço de tempo, e se essa informação recebida for maior que a possibilidade de assimilação do cérebro isso pode levar a uma sobrecarga [2], gerando mais desgaste e cansaço.
Ademais, aponta-se [3] um problema que pode contribuir com sentimentos de angústia e ansiedade, pois cada novo processo judicial que chega é assinalado no rodapé do monitor, visível ao servidor. Isto é, conforme se trabalha, a fila de processos aumenta. Isso dá a impressão que o trabalho não tem fim, de estarem “enxugando gelo”, perdem a sensação da tarefa finalizada e a de “dever cumprido” que era gerada, por exemplo, quando se finalizava uma pilha de processos físicos. Isso pode afetar negativamente a motivação, e também pode atuar como pressão para intensificar o ritmo do trabalho.
O estudo traz também outros dados bastante relevantes sobre a relação entre o PJe e a saúde mental dos trabalhadores que o utilizam. Para isso fazem uso de um teste psicológico denominado SRQ-20, que busca identificar a presença de Distúrbios Psíquicos Menores (DPM). Ou seja, identificar sintomas e casos de sofrimento psíquico, mas sem buscar identificar um diagnóstico.
Este teste encontrou relação entre o trabalho com o PJe e a presença de sintomas psicológicos, evidenciando que há consequências negativas desta forma de trabalho à saúde mental dos servidores. A porcentagem de servidores que apresentavam tais sintomas medidos pelo teste era maior nos grupos de trabalhadores que há mais tempo utilizavam o sistema de Processo Judicial Eletrônico – exceto em comparação com os Oficiais de Justiça, que foi o grupo com maior porcentagem de servidores com distúrbios psíquicos menores.
Um artigo escrito pelo advogado Alexandre Atheniense, publicado em 2014 na revista ‘Consultor Jurídico’ [4], aponta que o PJe também afetou negativamente a saúde mental dos magistrados: “[…] desde que começaram a trabalhar com o processo eletrônico [apenas] 26% dos magistrados não sofreram problemas relacionados à mente e ao bem-estar, enquanto 44% relatam cansaço, stress, nervosismo ou preocupação excessiva; 33% relatam dores de cabeça; 27% relatam desmotivação; 26% relatam distúrbios no sono; 21% relatam dificuldade para pensar ou se concentrar; e 14% relatam ansiedade ou depressão”.
Esses dados reafirma o potencial adoecedor deste instrumento e dessa organização do trabalho.
Mas não apenas a saúde mental é afetada pelo PJe. As pesquisas apontam também malefício no sistema músculoesquelético dos servidores. O aumento da quantidade de horas diante do computador multiplica a possibilidade de que o trabalho se torne prejudicial ao corpo. A aceleração do trabalho, as posições estáticas e a repetitividade dos movimentos são elementos que podem contribuir para gerar as denominadas LER-DORT (Lesões por Esforço Repetitivo – Distúrbios Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho).
As estatísticas da pesquisa realizada no Judiciário do Rio Grande do Sul [2] apontam maior presença de queixas de dores nas costas, nos braços e no pescoço entre aqueles que estão há mais tempo trabalhando exclusivamente com o PJe.
A mesma pesquisa também mostrou que os servidores que trabalham com esta tecnologia apresentam mais incômodos oftalmológicos, como dor e ardência nos olhos. Isso se explica pela contínua e prolongada exposição à luminosidade da tela.
No TRF-4, uma comissão formada pela Administração do Tribunal e a entidade sindical elaborou um documento [4] sobre as condições de saúde dos trabalhadores do PJe e sugerindo iniciativas no sentido de mitigar os efeitos prejudiciais à saúde. Dentre as ações estão: workshop de ergonomia; ênfase e melhoria na usabilidade do e-Proc2; curso de usabilidade para desenvolvedores de TI; recomendação para realização de pausas na jornada de trabalho; curso para facilitadores de ergonomia e informática; mapeamento do fluxo de trabalho com posterior discussão entre os setores e propostas de alterações; curso de construção de texto Judiciário; inclusão da temática nos eventos para juízes e servidores; contato com outros órgãos e instituições; atendimento e resposta às demandas dos usuários; campanhas e melhoria da comunicação interna; exames periódicos de saúde para juízes e servidores; pesquisas sobre saúde e condições de trabalho; estudo de novas tecnologias e melhor uso das disponíveis; registro e documentação das formas de trabalho judiciário.
Entre as medidas citadas, a pausa é uma diretriz que merece grande atenção, sendo de aplicação relativamente fácil (havendo inclusive software gratuito para isso, o Workrave [5]), e com resultados positivos.
A pesquisa com trabalhadores do Judiciário de Porto Alegre [6] mostram que servidores que faziam pausas durante a jornada de trabalho demonstravam menos sintomas de ordem psicológica ou física do que aqueles em condições semelhantes que não faziam as pausas.
Estas propostas dão ideias de caminhos a serem seguidos, mas outras soluções podem e devem ser pensadas pelos trabalhadores, levando em consideração os problemas específicos enfrentados nos locais de trabalho. Os avanços e desenvolvimentos tecnológicos são muito importantes ao trabalho, mas é fundamental ter clareza que toda mudança, se não vier combinada a uma análise e adequação cuidadosa e eficaz, pode significar o aumento do adoecimento dos servidores.
FONTES: