28 de abril: O PJe e a saúde dos servidores, por Daniel Luca


25/04/2019 - Luciana Araujo

O Processo Judicial Eletrônico (PJe) é, de certa forma, uma resposta à principal crítica feita à justiça brasileira: a morosidade. A possibilidade de virtualizar os processos surge como um caminho para dar celeridade e praticidade aos mesmos, além de ganhos como economia com papel e espaço físico. Porém, essa nova forma de trabalho pode trazer consequências negativas à saúde dos servidores.

Em um artigo de 2014, pesquisadoras do Rio Grande do Sul apontavam sobre a implementação do PJe[1] no JEF naquele estado, que a facilidade de submeter ações ao Judiciário devido à virtualização levou a um aumento da demanda de trabalho, superando o crescimento de produtividade propiciado pela mesma tecnologia. As autoras ilustram este salto relacionando os dados de antes (2004) e depois (2008) da implementação do PJe no JEF/RS: os processos distribuídos aumentaram em 104%, os julgados aumentaram 44% e a quantidade de processos tramitando aumentou 10%. Tais diferenças evidenciam um grande sobrepeso da demanda de trabalho, enquanto a capacidade de julgar tais processos não seguiu o mesmo ritmo.

A mudança gerada pelo PJe não é apenas de ordem quantitativa, mas qualitativa também, pois a informatização altera a dinâmica do trabalho. O computador oferece uma considerável quantidade de estímulos simultaneamente ou em um curto espaço de tempo, e se essa informação recebida for maior que a possibilidade de assimilação do cérebro isso pode levar a uma sobrecarga [2], gerando mais desgaste e cansaço.

Ademais, aponta-se [3] um problema que pode contribuir com sentimentos de angústia e ansiedade, pois cada novo processo judicial que chega é assinalado no rodapé do monitor, visível ao servidor. Isto é, conforme se trabalha, a fila de processos aumenta. Isso dá a impressão que o trabalho não tem fim, de estarem “enxugando gelo”, perdem a sensação da tarefa finalizada e a de “dever cumprido” que era gerada, por exemplo, quando se finalizava uma pilha de processos físicos. Isso pode afetar negativamente a motivação, e também pode atuar como pressão para intensificar o ritmo do trabalho.

O estudo traz também outros dados bastante relevantes sobre a relação entre o PJe e a saúde mental dos trabalhadores que o utilizam. Para isso fazem uso de um teste psicológico denominado SRQ-20, que busca identificar a presença de Distúrbios Psíquicos Menores (DPM). Ou seja, identificar sintomas e casos de sofrimento psíquico, mas sem buscar identificar um diagnóstico.

Este teste encontrou relação entre o trabalho com o PJe e a presença de sintomas psicológicos, evidenciando que há consequências negativas desta forma de trabalho à saúde mental dos servidores. A porcentagem de servidores que apresentavam tais sintomas medidos pelo teste era maior nos grupos de trabalhadores que há mais tempo utilizavam o sistema de Processo Judicial Eletrônico – exceto em comparação com os Oficiais de Justiça, que foi o grupo com maior porcentagem de servidores com distúrbios psíquicos menores.

Um artigo escrito pelo advogado Alexandre Atheniense, publicado em 2014 na revista ‘Consultor Jurídico’ [4], aponta que o PJe também afetou negativamente a saúde mental dos magistrados: “[…] desde que começaram a trabalhar com o processo eletrônico [apenas] 26% dos magistrados não sofreram problemas relacionados à mente e ao bem-estar, enquanto 44% relatam cansaço, stress, nervosismo ou preocupação excessiva; 33% relatam dores de cabeça; 27% relatam desmotivação; 26% relatam distúrbios no sono; 21% relatam dificuldade para pensar ou se concentrar; e 14% relatam ansiedade ou depressão”.

Esses dados reafirma o potencial adoecedor deste instrumento e dessa organização do trabalho.

Mas não apenas a saúde mental é afetada pelo PJe. As pesquisas apontam também malefício no sistema músculoesquelético dos servidores. O aumento da quantidade de horas diante do computador multiplica a possibilidade de que o trabalho se torne prejudicial ao corpo. A aceleração do trabalho, as posições estáticas e a repetitividade dos movimentos são elementos que podem contribuir para gerar as denominadas LER-DORT (Lesões por Esforço Repetitivo – Distúrbios Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho).

As estatísticas da pesquisa realizada no Judiciário do Rio Grande do Sul [2] apontam maior presença de queixas de dores nas costas, nos braços e no pescoço entre aqueles que estão há mais tempo trabalhando exclusivamente com o PJe.

A mesma pesquisa também mostrou que os servidores que trabalham com esta tecnologia apresentam mais incômodos oftalmológicos, como dor e ardência nos olhos. Isso se explica pela contínua e prolongada exposição à luminosidade da tela.

No TRF-4, uma comissão formada pela Administração do Tribunal e a entidade sindical elaborou um documento [4] sobre as condições de saúde dos trabalhadores do PJe e sugerindo iniciativas no sentido de mitigar os efeitos prejudiciais à saúde. Dentre as ações estão: workshop de ergonomia; ênfase e melhoria na usabilidade do e-Proc2; curso de usabilidade para desenvolvedores de TI; recomendação para realização de pausas na jornada de trabalho; curso para facilitadores de ergonomia e informática; mapeamento do fluxo de trabalho com posterior discussão entre os setores e propostas de alterações; curso de construção de texto Judiciário; inclusão da temática nos eventos para juízes e servidores; contato com outros órgãos e instituições; atendimento e resposta às demandas dos usuários; campanhas e melhoria da comunicação interna; exames periódicos de saúde para juízes e servidores; pesquisas sobre saúde e condições de trabalho; estudo de novas tecnologias e melhor uso das disponíveis; registro e documentação das formas de trabalho judiciário.

Entre as medidas citadas, a pausa é uma diretriz que merece grande atenção, sendo de aplicação relativamente fácil (havendo inclusive software gratuito para isso, o Workrave [5]), e com resultados positivos.

A pesquisa com trabalhadores do Judiciário de Porto Alegre [6] mostram que servidores que faziam pausas durante a jornada de trabalho demonstravam menos sintomas de ordem psicológica ou física do que aqueles em condições semelhantes que não faziam as pausas.

Estas propostas dão ideias de caminhos a serem seguidos, mas outras soluções podem e devem ser pensadas pelos trabalhadores, levando em consideração os problemas específicos enfrentados nos locais de trabalho. Os avanços e desenvolvimentos tecnológicos são muito importantes ao trabalho, mas é fundamental ter clareza que toda mudança, se não vier combinada a uma análise e adequação cuidadosa e eficaz, pode significar o aumento do adoecimento dos servidores.

FONTES:

[1] PAI, D. D., LUTERT, L. Et al. Repercussões da aceleração dos ritmos de trabalho na Saúde dos servidores de um juizado especial. Saúde e Sociedade, São Paulo, SP. V. 23 n. 3, 2014. 942-95.
[2] MERLO, Á. R. C., FILHO, G. De A. E. S., DORNELLES, R. A. N.Avaliação das condições de trabalho e de saúde dos servidores do judiciário federal no Rio Grande do Sul – Relatório de pesquisa. Porto Alegre. 2012. Disponível em: < http://sintrajufe.org.br/site/arquivos/downloads/relatorio_final_pesquisa_2011.pdf> Acesso em: 22 fev. 2016.
[3] ATHENIENSE, A. O processo judicial eletrônico causa efeitos colaterais a saúde. ConsultorJurídico.com.br. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-nov-07/direito-papel-processo-judicial-eletronico-causa-efeitos-colaterais-saude> acesso 22 de fev. de 2016.
[4] JÚNIOR, Cândido Alfredo Silva Leal. O processo eletrônico e a saúde do usuário: a experiência do trf4 em busca de um processo saudável. In: revista de Doutrina, Porto Alegre: Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – EMAGIS, n. 57, dez. 2013. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao057/Candido_LealJunior.html Acesso em: 1 fev. 2016.
[5] http://www.workrave.org/
[6] FEIJÓ, F., MURUSSI, L., BURIOL, E. C., BUNDCHEN, C., OLIVEIRA, P. A. B., AZEREDO, F., ALMEIDA, R. A saúde dos trabalhadores do judiciário federal do Rio Grande do Sul e as relações com seu contexto de trabalho. Sintrajufe/RS, Porto Alegre, 2017. Disponível em: <https://www.sintrajufe.org.br/files/fique_ligado/relatorio-pesquisa-de-saude-2017-sintrajufe-com-graficos-extras.pdf> Acesso em: 05 nov. 2018.
[7] TRES, G. S., FERRETTI, R. Implantação do processo judicial eletrônico e a contribuição da ergonomia: uma revisão da literatura. Revista administração em diálogo. São Paulo, SP. v. 17, n. 3. 149-171. 2015.
[8] MORESCO, A. K. T., SCHURHAUS, A. D. Os reflexo da automação na organização do trabalho no judiciário catarinense. In:  Tópicos Destacados na Gestão do Judiciário Catarinense Florianópolis : Fundação Boiteux, 2012 pp.39 – 66.
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