Temer perde disputa da Previdência, mas não desiste de reduzir direitos


13/03/2018 - helio batista

Servidores do Judiciário Federal em SP durante o ato unificado no dia 19 de fevereiro, quando o governo anunciou o recuo nas tentativas de votar a reforma da Previdência ainda no início deste ano. Foto: Cláudio Cammarota

“É preciso postergar a concessão da aposentadoria”, disse o presidente Michel Temer (MDB), no dia 5 de dezembro de 2016, na reunião ministerial, aberta aos holofotes da mídia comercial, na qual apresentou o projeto de reforma da Previdência que seria levado ao Congresso Nacional.

Uma semana antes, o governo havia aprovado na Câmara dos Deputados, em um dia de protestos e violenta repressão em Brasília, a proposta que viria a se constituir na Emenda Constitucional 95. A mudança congela por duas décadas os orçamentos da União destinados aos serviços públicos e às áreas sociais, incluindo a seguridade, enquanto mantém as portas livres para despesas com juros das dívidas públicas.

A reforma da Previdência, portanto, era a consequência inadiável, nos planos do governo, para aplicar a Emenda 95, transferindo, na prática, recursos a serem usados com as aposentadorias de trabalhadores, que seriam postergadas, para o pagamento de juros a grandes grupos que atuam no mercado financeiro.

Reforma e intervenção

Dois anos, dois meses e 14 dias após divulgar o conteúdo da pretendida reforma, o governo anunciou que, sem os 308 votos necessários na Câmara, estava suspendendo a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional 287- A/2016. A notícia ganhou repercussão naquele 19/2 em meio às passeatas e atos em dezenas de cidades do país contra a reforma da Previdência. Em alguns locais, chegou a ser comemorada pelos manifestantes.

O governo usou a decretação da intervenção federal e militar na área de segurança do Rio de Janeiro como justificativa para a suspensão da tramitação – a Constituição Federal proíbe alterações constitucionais enquanto perdurarem intervenções federais em estados. Mas é evidente que Temer, a despeito de qualquer avaliação sobre o decreto, teria votado a PEC 287-A caso tivesse os votos para isso.

É a primeira vez, desde o início das reformas previdenciárias, iniciadas por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na segunda metade da década de 1990, que um governo lança uma proposta de reforma na área e não consegue aprová-la ao menos parcialmente. FHC em 1998, Lula (PT) em 2003, e Dilma em 2012 e 2015 – com projetos restritivos de direitos como o fundo de previdência complementar que pôs em prática a limitação ao teto do INSS para as aposentadorias de novos servidores – impuseram ao menos em parte suas reformas.

Há muitos fatores que ajudam a explicar a inegável derrota de Temer nesse caso, e consequente vitória da classe trabalhadora. Entre eles, destaca-se a força e a dimensão do movimento nacional – descentralizado, mas com bandeiras centrais unitárias – em defesa do direito à aposentadoria e contra a PEC 287-A.

Sem votos…

Na chamada batalha pela opinião pública, Temer perdeu, apesar da ajuda da mídia comercial e da propaganda oficial na TV, na qual foram despejados mais de R$ 100 milhões em recursos públicos. “O governo desistiu porque não conseguiu os votos necessários. E não conseguiu porque a gente teve muita mobilização e a reforma da Previdência é muito impopular. Diante de tanta impopularidade, em um ano eleitoral, os parlamentares recuaram”, observa a professora Eblin Farage, presidente do Andes-SN, o sindicato nacional dos docentes.

Fracassou a tentativa de espalhar o medo – ‘não haverá dinheiro para pagar os futuros aposentados’ – e fazer dos servidores os vilões das contas públicas. Impulsionou esse movimento, que teve expressiva presença nas redes sociais, a sequência de protestos de peso transcorridos no primeiro semestre de 2017 –iniciados no 8 de março das mulheres, culminando na greve geral de 28 de abril e na marcha que levou mais de 100 mil pessoas a Brasília, em 24 de maio.

…sem trégua

A vitória, no entanto, é vista com cautela por servidores que participam da luta contra a reforma. “Apesar da suspensão da tramitação, permaneceremos vigilantes e alerta. Se o governo não conseguiu aprovar essa excrescência foi pela resistência da nossa luta, não demos e nem daremos trégua a esse governo mentiroso e corrupto”, opina Erlon Sampaio, servidor da Justiça Federal em São Paulo e integrante da coordenação da Fenajufe.

Por um lado, há a preocupação imediata com eventuais novas medidas que sejam possíveis de aplicar por meio de decretos ou projetos de lei – caso, aliás, da MP 805/2017, que aumenta a alíquota previdenciária de 11% para 14% e está suspensa por liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski, do STF. Na primeira reunião das entidades sindicais nacionais dos servidores federais com representantes do Ministério do Planejamento, no dia 2 de março, os custos financeiros com a intervenção federal no Rio já foram mencionados como um impedimento para eventuais reajustes salariais. Os representantes do governo também disseram que com a Emenda Constitucional 95, que congela o orçamento, a situação dos serviços públicos fica insustentável. Poucos dias depois, o presidente Temer declarou, em entrevista a uma rádio, que a tramitação da PEC 287-A poderá ser retomada após as eleições de outubro.

Por outro lado, a saída de cena, mesmo que provisória, da PEC 287-A é uma oportunidade para que campanhas pela derrubada das reformas já aprovadas ganhem fôlego – caso da Trabalhista e da Emenda 95. “O que aconteceu com a Previdência nos abre espaço para reagir também com relação às reformas que precisam ser revogadas”, defende Tarcísio Ferreira, da direção do Sintrajud. “Mas a intervenção federal no Rio é uma movimentação política do governo que busca explorar essa situação de violência para ganhar algum grau de popularidade. E se ele consegue se reerguer em alguma medida, pode ganhar força para retomar essa agenda de ataques”, alerta o servidor, de certa forma pontuando que a luta contra a destruição e a privatização da Previdência não para nunca.

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