Intervenção no RJ enfrenta pressão internacional e questionamentos jurídicos


19/03/2018 - helio batista

Rio de Janeiro – Militares seguem operando na favela da Rocinha para combater confrontos entre facções de traficantes de drogas (Fernando Frazão/Agência Brasil)

“Esperamos que o STF declare inconstitucional o decreto

[de intervenção militar no RJ]

, e que enquanto isso o Judiciário local aja firmemente para evitar violações de direitos”, diz o advogado Rafael Custódio, coordenador da área de Violência Institucional da ONG Conectas Direitos Humanos.

A ONG é uma das mais de 40 organizações da sociedade civil e movimentos sociais que no início de março protocolaram representação solicitando à Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, que ela ingresse no STF com ação apontando as inconstitucionalidades do decreto presidencial 9288/2018. Na sexta-feira, 16, o ministro Ricardo Lewandowski encaminhou outra Ação de Inconstitucionalidade contra a intervenção ao plenário da Corte Suprema.

O decreto, que completou um mês no último dia 15, transferiu a segurança pública do Estado do Rio de Janeiro para o governo federal e designou como interventor o general do Exército Walter Braga Netto, comandante militar do Leste.

Para a Conectas e as demais organizações que protocolaram a representação, o decreto do presidente Michel Temer (PMDB) fere a Constituição ao atribuir a um militar funções que são exclusivas de um governador eleito. As entidades também questionam o fato de o interventor não estar sujeito às normas estaduais que conflitarem com as medidas necessárias à intervenção, conforme o artigo 3º do decreto.

Há preocupação, ainda, com os efeitos da Lei 13.491/2017, que transferiu à Justiça Militar a competência para julgar crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis.

“Esse é mais um ponto que escancara a inconstitucionalidade do decreto porque, ao determinar o caráter militar do interventor, este é submetido à Justiça Militar e não à Justiça comum, eliminando qualquer tipo de controle social sobre suas ações”, aponta Custódio.

Logo depois da intervenção, declarações do comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas, afirmando que “militares precisam ter garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade” aumentaram essa preocupação.

Desproporcional

Mas os questionamentos jurídicos que pesam sobre a intervenção não param por aí. As organizações ainda denunciam que o decreto fere o princípio da proporcionalidade, uma vez que não houve mudança na situação da segurança pública do Rio que justifique uma medida excepcional como a intervenção.

O Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional também não foram devidamente consultados antes da edição do decreto, como exige a Constituição, sendo convocados às pressas e sem a formação completa.

“Estamos em contato direto com parceiros no Rio para auxiliar no que for preciso no monitoramento das ações dos militares e  consideramos que a comunidade internacional precisa ser alertada do que está acontecendo”, afirma o advogado. “Temos realizado ações de denúncia e sensibilização para que haja pressão externa contra os abusos.”

Papel do Judiciário

No último dia 13, o escritório para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) divulgaram nota conjunta em que manifestam preocupação com o risco de violações causadas pela intervenção federal.

O comunicado adverte que o decreto não delimita claramente o alcance da medida, nem como será executada, e pede a formulação de uma política mais ampla para a questão das drogas.

Para o coordenador da Conectas, o balanço do primeiro mês mostra que a intervenção vai justamente no sentido contrário, ao empregar a lógica de “guerra” e utilizar mecanismos de criminalização dos mais pobres.

“De um lado, a intervenção comprovou ser uma medida populista – ao não apresentar qualquer resultado concreto na segurança pública – e, do outro, uma medida que na verdade agrava as tensões e conflitos com grupos armados no Estado”, afirma.

Ele aponta o número de mortos pela violência no Rio nos últimos dias, entre eles a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Pereira Gomes, como uma demonstração desse agravamento.

O advogado ressalta que o Judiciário também tem um papel fundamental para impedir violações de direitos, mas não esconde a desconfiança de que a atuação desse Poder fique aquém das suas responsabilidades. “Num contexto político tão complexo como o atual, nosso receio é que haja um certo constrangimento ou recuo nesse sentido, o que seria lamentável.”

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